!> !> Pulmão Cabeludo
Um ser que participa do Todo e tem saudade do tempo que não foi, mas sabe que um dia nele irá se desmanchar, e flutuar. Porquanto participo da sopa divina.


























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Antigo blog do pulmao




























Pulmão Cabeludo
Alea jacus est
terça-feira, outubro 21, 2003
A pedra

Queria a sua substância de carícias e plumas. Um blog que suavizasse o corpo e inflasse de alegria o coração.

Vivo com os seres, neles me misturo e me confundo. Convivo com meus amores, com meus amigos. Convivo com você. Neste instante, que não é banal. Não é apenas mais um instante.

O instante que permanece,
cravado no corpo,
rocha porosa boiando,
no espaço infinito.

Tocaram fogo na casa do goiano.

Leio o jornal. Pesa pouco em minhas mãos e tem fotografias. É áspero e surge dentro da varanda de manhã. O tamanho das letras das manchetes sugerem a importância do assunto tratado. Os jornalistas podem espumar. Mas sua existência depende do jornal, e mais, da mídia, e mais, de um veículo - sim veículo – de transmissão de idéias e de valores.

A Bolívia é grande: a cocaína derrubou o presidente.

Se não fosse o entregador de jornal, não seria tão fácil, tão prático para mim.

Vem de bicicleta ou vem moto? Não sei.

Classe média não é.

Estou interessado nele?

Sim.

Ele é meu irmão e isso às vezes dói, mas não tanto quanto o menino vendendo biju.

“Ô tio, compra um biju para me ajudar.” Diz o menino, adolescente, uns quinze anos, preto, magro, caixa de biju na mão, ausência de escola pública, ajudar nas contas da mãe. Nenhum traço de heroísmo estampando na cara. Nenhum sinal de casa.

Que casa?

“Então moeda serve, tio.”

De dentro do carro, os dedos sinalizam não. Sou eu. Boca não fala. Boca cheia. Mão cheia. Estou comendo uma baguete de tomate seco, com presunto e mussarela, e só posso balançar os dedos em sinal de recusa. Dinheiro que escorregou fácil do bolso para o estômago. Mas uma recusa.

Recusa, para mim, foi o que aquela menina me fez, quando tinha quatorze. Negou o meu amor.

Negou o meu amor próprio. Negou meu próprio amor. Negou meu papo, meu sapo, meu taco. Cuspiu no bolo que demorei três dias para elaborar.

E assim a ressaca doe mais que a fome na Somália.

Portanto:

Digamos adeus ao intimismo babaca.
Digamos adeus ao conhecimento infeliz.
Digamos sim ao ódio frio, bem dirigido.
Digamos sim a Jesus Cristo, nosso senhor.
Digamos sim à negação de Deus.

Convoquemos o egoísmo esclarecido.
Todo homem com direito à piscina.

Ou eu ou Deus.

A era dos aleijados vem passando. Avistamos milhões deles pela janela. Jogam ao alto as bengalas e trovoam potentes estrofes.

Às oito horas da noite o menino do biju está
revirando lixo,
abraçando rato,
rolando com os porcos,
vendendo armas,
juntando coragem, ódio e pulgas.
sonhando Crack crack gostoso

Ao deus da poesia curta usaste a máscara,
e usando-a, absteve-se de toda a proteção.
Fingindo aproxima-te de ti.

Na aurora do meio pro começo,
mirou o instante de um ângulo estranho.
Tinha beleza e tragédia.
Grandeza e miséria.
Leveza e perdão.

A brisa estúpida acariciava a pele,
convidando os nervos da nuca
a um relaxamento total.

A mãe de Ivone se corroeu ao ver a filha de batom vermelho.
A moça, mais parecia menina,
Já não agüentava mais tropeçar.
Lágrimas absorvidas na terra,
formam gotas de barro no chão,
imprestáveis, inúteis.

Mercado de trabalho.
Beijo mecânico.
Patrão de bigode.

Ele não é gente boa.
Mas conheço gente boníssima no mundo.

Hoje canto a quem é gente boa.
Tem gente boa no mundo.
Só não vale abusar.
Exigir perfeição.

Dança na boite todo sábado,
Semana passada conheceu um cara legal.
Músculos no braço, voz mansa.
A boca da flor se abre em mil pétalas.
Molhada, úmida, perfeita.

Ela não sabe que ele será o pai de seus filhos.

Relaxa nego, relaxa.
A noite passa de mansinho.
Sem pressa.

Se a tempestade vem,
Que venha!
Molhado de chuva é melhor.

E fundido no silêncio de granito,
a morte já não te estremece.
Fecundas, sente orgasmo e diz adeus.

12:34 AM


terça-feira, outubro 14, 2003
Um grande poeta desconhecido

Um poeta brasileiro muito desconhecido, um certo Roberto Oliveira, teceu algumas poesias exaltando a classe média brasileira, para o espanto dos críticos e intelecutais, e o assombro dos ricos.

Ah! Classe média, quanto conforto em seu seio!
Churrasco de picanha, escola particular.
Bons filmes na locadora.
Água potável, medicina.
Dentes brancos,
Sabadão sorrindo
Digestão domingo.

Alguns especialista apontaram, com certo alarde, para o carater corrosivo, bomba atômica social. Nada mais despropositado, descabido. Quem já ouviu falar de Roberto Oliveira sabe que ele é homem tranqüilo, embora tenha pretações e contas a pagar. Mas sempre o temos sorrindo para a vida, cantando a classe média, que no fundo é um cantar a si mesmo.

A poesia não é sua fonte de renda. Tece versos com amor, um amor classe média, de alguém que não esbanja nem vive na miséria. Mentira dizer que ele luta para ser rico. Prefere esperar, se algum dia acontecer: "Que bom!" Diria ele. Mas não se pode falar muito de um poeta, melhor lê-lo. Só assim poderemos compreender que a classe média tem um arauto, um profeta, um homem simples. Ouvi dizer que é bom cozinheiro e que tem uma filha linda.

É isso.

2:54 PM



Barômetro espiritual

Uma idéia que faz um tempo que me acompanha e me inebria é a do Barômetro Espiritual, de um tal E.T. A. Hoffmann, romântico incurável, homem inteligentíssimo, grande escritor alemão, pai de família incomparável. Deparei-me com a idéia, pela primeira vez, através de uma referência que Baudelaire faz ao autor em um de seus livros: O Poema do Haxixe. Neste livro, em que Baudelaire oferece-nos reflexões agudíssimas sobre os efeitos do vinho e do Haxixe sobre o ser, há uma passagem em que o autor alude algumas das categorias de que Hoffmann fazia uso para melhor medir os ares do espírito. Entusiasmo musical; ironia ácida, insuportável a si mesmo. São algumas delas.

Fiquei fascinado com a idéia e pouco tempo depois já estava pensando em novas categorias, que pudessem medir com exatidão a minha atmosfera interior. Tomei, entretanto, certas ressalvas perante o instrumento, prevendo que seu abuso poderia descambar para algo um tanto taxativo.

As categorias criadas nunca podem ser categorias congeladas e duras. Mas flexíveis, borrachosas, como conceitos que se expandem, se contraem, e que se amoldam. Ou até mesmo categorias descartáveis ou recicláveis.

Para que estes conceitos compartilhem destas qualidades a melhor linguagem seria a linguagem poética, embora isso não seja regra. Categorias mais clássicas de medição devem participar do barômetro: tédio, angústia, raiva, medo. Porém, infelizmente elas não dão conta da especificidade, são muito genéricas. Reparem: “ironia ácida, insuportável a si mesmo” é muito mais pontual, tem o refinamento necessário para descrever o estado de espírito de uma criatura tão delicada quanto o autor.

Talvez tenha chegado a hora de abrir o jogo e falar algumas das categorias que criei. Embosteado. Felicidade colorida ao meio dia. Leveza marota. Sentimento de despedida de tudo. Alegria diabólica. Niilismo rancoroso. Estupidez bovinamente confortável. Sentimento esmagador do ridículo-libertador. Adesão fenomenológica. Fogo no rabo.

Recordo-me de certos estados estranhos que Baudelaire descreve, ou melhor, são sentimentos e não “estados de espírito”. Um deles é o gozo mórbido. Gozo mórbido?!Que porra é essa? Não me lembro de ter tido um, a não ser que tenha tido um, sem o saber.

Isso tudo me faz pensar qual a relação entre a linguagem e os sentimentos. Certo é que as coisas, depois de ganharem o nome, ficam mais reconhecíveis. A coisa, depois de nomeada, começa também a ganhar maior contorno, uma maior nitidez. Isso de forma geral. Veja bem: de forma geral. Que se não é tudo, também não é pouco. Não quero absolutices.


2:29 PM


quarta-feira, outubro 01, 2003
Sandman

Do pouco que li do Sandman posso dizer que gostei muito. Não poderia ser mais sincero que isto. Gostei. Em relação aos objetos recuperados na primeira saga, de fato, Freud está forte. Ou pode estar forte, se é que Gaiman se inspirou em Freud. A idéia de que nos objetos estão muito da energia da personagem central é o que a tradução brasileira se chama catexia. Lacan prefere o termo investimento. Segundo a psicanálise, na nossa vida investimos energia nossa nas pessoas, nas coisas. Bom, é um dos aspectos. Mas o melhor é que se este aspecto não resume a obra. A cena do bar, em que tem uma garçonete escritora, que escreve sobre as vidas dos fregueses é muito boa. Além disso a idéia dos imortais é muito boa. Impossível imaginar um ser humano isento da morte, do desespero, da agressividade, do sonho (inclui aí o devaneio) etc.

Estação das Brumas é muito louco também. A idéia de Lúficer abdicando da diretoria do inferno e leiloando-o é bem massa.


2:42 AM


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