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Um ser que participa do Todo e tem saudade do tempo que não foi, mas sabe que um dia nele irá se desmanchar, e flutuar. Porquanto participo da sopa divina.


























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Antigo blog do pulmao




























Pulmão Cabeludo
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sexta-feira, maio 28, 2004
Desputatio

O que me provoca tremores nervosos é o fato da desputatio dos escolásticos, estar fora de moda. Co efeito, o rebanho intelectual brasileiro vem debatendo cada vez mais o papel da moda na filosofia. Junqueira de Abreu (1999), por exemplo, sobre o assunto:

“No final do séc. XIX, filosofia se desdobrou sobre a física, absorvendo seu método, seu rigor, foi o triunfo do positivismo e a derrocada de dimensões irredutíveis da primeira pessoa. Ora, o séc. XX, marcado por uma diversidade de estruturas conceituais aponta para uma nova perspectiva sobre o saber. A filosofia, agora, se desdobra sobre a moda. O valor da verdade é substituído, por conseguinte, por conceitos estéticos, sobretudo a moda, ícone máximo simultaneamente do capitalismo e da democracia, “a sociedade dos amigos, incluindo aí toda a sorte de preferência sexual”, vem a ser o novo paradigma da nossa civilização. ” (p.856)

A desputatio é um jogo de xadrez dos oponentes, porém no campo da argumentação. É a discussão altamente formalizada, o raciocínio se movimentando dentro de certas regras pré-estabelecidas, sem as quais o deslize em direção à obscuridade seria inevitável. Os homens da desputatio não se perdem em detalhes irrelevantes, detalhes cujo único valor não é outro que o entretenimento.

Pergunta-se quantas pessoas atualmente são capazes de clareza conceitual. Poucos. E de patifaria intelectual? Um número ainda mais reduzido, quase ínfimo, posto que o patife intelectual, por definição, está ciente de sua patifaria, enquanto na maioria dos casos a burrice é sincera.

É um número reduzido de pessoas que têm a doença do pensamento, a obsessão pela ordem. São espíritos robustos que, com o caduceu de ouro, travam uma guerra contra o exército do caos, como Olavo de Carvalho.

Sem dúvida a busca da verdade é impossível sem uma postura ética, e também corporal (o nariz apontado para frente). Os olhos penetrantes do filósofo sempre vislumbram a verdade, e geralmente a verdade está abraçando, como uma serpente, o sentido último da existência. Os indivíduos que acreditam no sentido último da existência são os justos, os retos. O filósofo precisa de Deus, como entidade metafísica máxima, o bã bã bã. Santo Ancelmo provou a existência de Deus. O anticristo kantiano fez questão de obscurecer a sua prova.

Nós amamos a verdade.

6:35 PM



Conto macabro

O vôo do pássaro é um mergulhar do peixe no azul. Não há cebolas. O ar, infinito catarro, senta na montanha esperando a aurora dos mundos.

Cores líquidas fazendo pluf. Milhares de estrelas sorrindo. Trilhões de estrelas emanando luz. E o universo sendo entendido como matriz.

E o universo sendo espremido, reduzido a todo tipo de sistema. A crença básica da sistematização do universo.

Pare. Olhe atrás da parede. Há um palhaço a sorrir. Ele está agachado e tem os dentes podres. Segura um cotonete nas mãos. Mantém os olhos apertados. E só canta opa opa. O pior é que usa batom esparramado em forma de elipse em volta da bocarra. Aquele batom vermelho que só o Diabo gosta. Aquela coisa feia com nariz de palhaço e peruca com careca forçada. O mais estúpido e vil de todos os palhaços. O palhaço cansado, com pôneis lambendo-lhes a cara. O palhaço não percebe que há muitas formigas por toda à parte. Ele está atrás do sítio, ele está atrás do muro. Ele está imoral, inaceitável e inegavelmente vivo.

6:34 PM


quinta-feira, maio 27, 2004
Estou cansado de ouvir iconoclastas afirmarem que tudo é uma grande piada.
10:12 PM



Não há pipoqueiros com menos de sessenta anos

Torrinha, 2004. Corpus Cristi. Na frente da Igreja matriz, um pipoqueiro rechonchudo, de nariz de bolacha. Poc. Poc. Dentro de seu carrinho, nos compartimentos de vidro, de lado pipoca salgada, do outro pipoca doce cor-de-rosa.

Neste dia a missa era diferente. Começava do lado de fora e só depois ia para o lado de dentro da Igreja. A comunidade católica estava toda ali. Eram homens sérios, de trajes sóbrios, camisa para dentro da calça. A maior parte das mulheres tinham o cabelo preso com grampos. A comunidade se distribuía em torno de um centro vazio, ocupado apenas pelo padre, por seus apetrechos, e alguns coroinhas.

Reinava por entre os homens um silêncio profundo, só algumas vezes interrompido por algum automóvel que passava. Um ar carregado, quase parado, congelava o tempo, abrindo novas dimensões do ser. Mesmo as crianças falavam baixinho, pressentido no romper do silêncio um crime grave. Um Deus fora torturado.

Por cima da noite uma enorme lua.

A Igreja se separa da praça por uma rua. Do outro lado da rua, sentado no banco da praça, uma turma de adolescentes. Destaca-se uma menina de olhos brilhantes e calças rasgadas. Eles assistiam em silêncio as pessoas em silêncio, sentados no encosto de um dos bancos da praça, ninguém comentava.

Súbito, chega um casal. Estavam atrasados. Um homem magro, paletó apertado, peito estufado com dignidade. Seus braços enlaçavam sua mulher na altura do pescoço. Usava bigode. Ela tinha os olhos negros como a noite, o pescoço fino, e um ar de quem sabe respeitar.

Nem toda a cidade participava do ritual. Descendo alguns passos, já era possível sentar em umas das mesas da lanchonete. Homens de bem a freqüentavam. Mas, por ora, as mesas estavam ocupadas por aqueles que não vão à missa: três turistas, quatro gays, sete drogados, e mais uma dúzia de jovens.

Habitualmente, o movimento do recinto aumentava depois da missa. As famílias se reuniam ali para apreciar o sabor do sanduíche, enquanto os pais contavam anedotas para seus filhos.

Quando criança, sorveteria com meu pai, aos domingos. Sempre pedia banana-split e minha irmã colegial. Em uma dessas ocasiões meu pai me contou como era Corpus Cristi na sua cidade natal. Uma cidade mineira cravada entre as montanhas e as nuvens.

A Sexta-Feira da Paixão era um dia muito triste, o mais triste dos dias. Não havia sorrisos. Extremo mal-gosto demonstrar qualquer forma de felicidade. Hoje as cidades não sabem mais o que é isso, não sabem sequer distinguir o bem do mal. Torrinha é uma ilha boiando num mar de pecados. É nova Arca de Noé. Em Torrinha, todo ovo de páscoa é de chocolate meio amargo.

Lá está o grupo de fiéis. As pessoas que estão mais próximas ao padre são as mais crentes, tiverem que chegar meia hora antes para ocupar o lugar privilegiado. Os que estão mais ao fundo, na parte mais exterior do círculo, enxergam com dificuldade. Ficam nas pontas dos pés e esticam os pescoços na tentativa de acompanhar, sobre a barreira de cabeças, o ritual que o padre conduz. Um pouco mais atrás está o pipoqueiro. Tem mais de sessenta e é o único alí presente que está sentado.

Melhor seria que estivesse em pé. Cautela, não se deve negar-lhe o direito de estar sentado - o carrinho de pipoca estava ali desde as cinco da tarde, muito antes de tudo começar. Estava a trabalho, não era seu dia de folga.

Mais precisamente tem sessenta e três anos de idade. Com vinte anos de idade vendia pipoca com o carrinho de seu pai. Aos vinte e sete abraçou a profissão. De lá para cá passou por tudo. O mais difícil foi perceber que sua profissão, durante todos esse anos, apenas decaiu. Cada vez entra menos dinheiro. Dez anos atrás, numa noite de domingo chuvosa, vendeu apenas dois saquinhos. Neste dia pensou em parar de uma vez, abandonar o carrinho. Mas olhou para a Igreja, para a praça, já não podia parar. Precisava de dinheiro, ainda que fosse pouco. E não sabia fazer outra coisa.

Dos outros pipoqueiros restaram apenas os ossos. E epitáfios sinistros no cemitério.

9:58 PM



A filosofia verdadeira

Existe uma filosofia verdadeira? Se alguém souber da existência de uma, peço que me façam o favor de me avisar. Ficarei imensamente grato. Prometo até uma recompensa de 150 reais se me enviarem pelo correio. Mas eu quero recibo, e garantia de dez anos de validade. Se for alguém do interior paulista dispenso a garantia, peço apenas a “palavra de homem”.

Espero um dia receber uma correspondência. Um livro da Filosofia Verdadeira.

9:52 PM


segunda-feira, maio 24, 2004
Comendo macarrão sem sujar o bigode

Se os livros de Nietzsche fossem devidamente classificados, auto-ajuda seria o melhor rótulo. "Como perder o rancor em duas semanas". "Como se tornar um ultramundano sem doer".

O objetivo secreto da filosofia, desde Anaxágoras, não é outro. O que todo filósofo esconde é que uma filosofia é um palavrório razoavelmente organizado, que serve apenas para sustentar a moral que interessa ao dono do sistema. Ficam de fora os pré-socráticos, os verdadeiros filósofos.


2:41 AM


segunda-feira, maio 17, 2004
Meu corpo é brasileiro

Não conheço nenhum país melhor que o Brasil para se viver. Já fui para a Bolívia, Peru, Paraguai. O Brasil é melhor. No trem da morte, na porta de saída entre um vagão e outro, estava eu sentado, conversando com um boliviano. Ele me tratava como se eu fosse um brasileiro. Elogiava o Brasil, contava-me coisas maravilhosas sobre este grande país. A industrialização, o emprego, São Paulo.

"O Brasil é o maior país do mundo." Escutei com espanto. Tive o impulso de corregi-lo: China, Rússia. Acabei concordando. O Brasil existe. O Brasil tem Bauru. Por fim, meu amigo boliviano disse, com orgulho, que já havia trabalhado neste nosso país.

Às vezes o trem passava por uma vilinha, no meio do pantanal Boliviano, ou melhor, no meio do nada. A vila parava para ver o trem passar, sem euforia nem alegria.

É difícil saber se caso eu morasse em um país mais rico, minha vida seria melhor. Uma pessoa que tem saúde, ócio, música, mulher, amor, doçura, cerveja, empregada e piscina, deve tomar cuidado antes de reclamar, muito cuidado. Um trovão pode rolar no horizonte e te destruir na madrugada.

1:03 AM


terça-feira, maio 04, 2004
Poucos são os blogs românticos

Como passo por um idílio amoroso, busco blogs românticos que sirvam de tonificante ao meu sentimento tão radioso. Só vejo blogs dando esporro, ou, quando muito, ridicularizando noventa por cento do mundo.

Foi no samba das décadas de trinta, quarenta e cinquenta, na época que o samba ainda era o autêntico samba de terreiro, que encontrei a música que buscava. Aliás, o samba é mais que uma música, é um estado de espírito, quase impenetrável, ao menos para nós, europeus. Quantos aqui, fora o pig, sabem sambar?

Certo é o que humor é irredutável. A única pessoa que ouvi dizer que peitou o humor foi meu bisavô, que achava rir um sinal de falta de caráter, de uma moralidade fraca. Ai de quem risse perto de meu bisavô! Ele tremia de raiva, babava. Seus filhos não riam, eram homens sérios, amargos, culpados.

Prefiro o samba, bolo com cobertura de chocolate, e sexo selvagem e romantismo.

1:16 AM



Moranga vazia

Você fala demais – disse ela com um sorriso malicioso.
Ele pensava em outra coisa. Sempre pensava em outra coisa. Tinha os ombros duros e um ar preocupado, mas uma preocupação nobre. Sorria em raras ocasiões.
- Penso demais porque não posso fazer outra coisa.
- Escute a música. No coração da chama o silêncio.
- O quê?

1:00 AM


sábado, maio 01, 2004
Dos livros inacabados

Ao longo da minha vida, pouquíssimos foram os livros nos quais cheguei à última página, uns quatro no máximo. Não sei o que acontece ao certo. Às vez o livro chega a me empolgar, fico curioso para saber o que vai acontecer, mas é tarde, tenho sono, deixo ao canto da mesa e sei lá porque, três meses depois vejo o livro, em cima da mesa, acenando para mim, lembro-me que não cheguei ao fim.

Li a primeira metade de Memórias Póstumas. Seis anos depois resolvi reler o livro, parei na metade. Alguns anos depois consegui terminar o livro. O último cápitulo é um dos melhores últimos capítulos entre os quatro últimos capítulos que já li.

Irmãos Karamazov é um dos poucos livros que terminei. O livro é grande demais para não ser terminado. Além diso tem o fato que quando eu não termino o livro, tenho a sensação de que ele me promete algo, como se o livro olhasse para mim, e ser olhado por aquela russaiada (mistura de mexicano com alemão) tiraria-me o sono.

Sim. Tem gente que insiste escrever em um tempo onde não já não há leitores. E tem gente capaz olhar de uma maneira diferente a este mundo em que vivemos, e, sem alarde, contar a velha estória de uma maneira diferente, hips de metrô, chocolates no quintal, pique-pega escola, video-game, deus-barbie.

Falar de coisas que viveu, porque essas são as coisas que mais conhece. Há escritores capazes de amar suas personagens. Machado de Assis não amava suas personagens.

Aliás, o Jardim dos Rinocerontes está bem bom, me diverti um bocado. Agradeço pelos livros.

2:06 AM


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