Um ser que participa do Todo e tem saudade do tempo que não foi, mas sabe que um dia nele irá se desmanchar, e flutuar. Porquanto participo da sopa divina.
Quando ele abriu a porta, com o copo de scotch na mão, tilintando as pedras de gelo, viu um enorme ganso em cima do colchão. O quarto estava mal iluminado. A pintura da parede se desgastava. O ar estava abafado, cheirava a mofo. O ganso olhava ameaçadoramente para ele e espumava. Então ele aproximou-se do ganso, com as pernas flexionadas em caso de briga. O gelo chocava-se dentro do copo. O ar estava abafado. O céu, por cima do telhado, estava fosco. Ele e o ganso. O ganso e ele.
Sua cara de barba mal feita. Seus lábios ressecados. A pururuca se diluindo no estômago. O ganso eriçou os pelos. E ele pulou em cima do ganso. Mas o ganso virou espelho. E ele viu sua cara no espelho, confuso. Tomou fôlego. Pensou. Sentou ao canto da cama. Acendeu um cigarro. Olhou para a parede. Seu coração batia forte. Um suor frio vazava de seu suvaco.
De repente, pegou o espelho e olhou mais uma vez. O espelho era curvo. Examinou melhor. Percebeu que o espelho era de pano. Era um pano-espelho. Uma roupa. E um espelho. Digamos: uma roupa que refletia exatamente como um espelho. Desconhecia o material, nunca vira nada parecido antes. O coração já batia mais de vagar. Tomou uma grande golada de scotch. O gelo batia. Vestiu a roupa-espelho. E foi se olhar no espelho do banheiro. Eis tudo. Nada posso escrever além disso. Eis tudo.