Um ser que participa do Todo e tem saudade do tempo que não foi, mas sabe que um dia nele irá se desmanchar, e flutuar. Porquanto participo da sopa divina.
Como disse, não fico exigindo da música coisas tão absurdas como um ganho futuro, seja qual for este ganho. Também não assisto a um filme porque ele me promove uma experiência enriquecedora. Para mim, a única experiência enriquecedora é ganhar na loto. Em suma, nunca tive nesta minha longa vida absolutamente nenhuma experiência enriquecedora, aliás, nunca terei – não jogo na loto, não participo de bingo.
Tudo bem. Sei que exagero. Apesar de limpar a garganta para declarar que é besteira exigir da arte algo mais do que o simples prazer de consumi-la, vira e mexe me pego em flagrante – chacoalhando, como uma besta, a obra de arte, querendo dela algo mais do que o delicioso sabor de seus frutos. E lá estou eu, outra vez, buscando nela uma utilidade que, para falar bem a verdade, nem sei qual é. Você não sabe qual é? Não. Mas isto não me espanta. Sinto que sempre busquei algo que nunca soube o que é. Talvez seja uma resposta a minha angústia, uma forma de preencher o vazio interior. Talvez seja Deus. Quem sabe não é dinheiro? Rola não é, garanto.
De qualquer forma, pensando melhor, não há problema nenhum nisso. Ocasionalmente podemos, quem sabe, fazer uso, num boteco, de uma boa tirada roubada a um livro.
Péssimo exemplo? Então deixa eu dar um pior.
Soltar aquela frase de efeito, “inteligentíssima”, na hora exata em que aquela gostosinha pousa sua bunda na roda de cerveja. ( Sim, estou consciente de que mil frases daquela não valem para a garota uma única música do Djavan, tocada com beiços trêmulos pelo picareta, que sempre está ao seu lado.)
A arte pode até ter uma função, como por exemplo, servir de isca às mulheres, servir de ganha pão a professores universitários, críticos, jornalistas, ou até mesmo para a classe média de barbichinha chafurdar em suas pretensões intelectuais.
Mas, de qualquer forma, estes valores são valores secundários e mesmo, desnecessários. Que essa obsessão de desentranhar todas as coisas em busca de uma utilidade, ou de uma finalidade, ou de uma instrumentalidade, já deixou de ser coisa de perobo, e passou a ser uma doença bem vaporosa, tão vaporosa que nem se percebe amarrada ao uso dos prazeres.
É ela que faz a horda galopante de universitários não encontrar em Machado outra coisa que não a nudez das classes dominantes. É ela que faz gente apreciar o apocalipse só depois de ter a ilusão do entendimento, quando o dragão travestido ovelha passa a ser o poder de persuasão, a mídia, o meio de comunicação, a propaganda enganosa, o coala-peixe-pássaro-mutante, etc.
Parte dois: soluções
Então siga o exemplo de Carlota, aproveite o dia, seja feliz, olhe para os lados e entenda de uma vez por todas que você não está aqui de livre e espontânea vontade.
O desespero de estar vivo, foi este o gosto de Carlinha.
Já Débora olhou para si, e incorporou a festejante irracionalidade que freme em cada átomo de sua consciência.
Catarina, por sua vez, era dessas tipo assim: relaxa e goza.