Um ser que participa do Todo e tem saudade do tempo que não foi, mas sabe que um dia nele irá se desmanchar, e flutuar. Porquanto participo da sopa divina.
Estava na praia, tanguinha à mostra, sobre a areia, olhando uma conchinha. O mar soprava bravo a uns cem metro na sua frente. Na conchinha, simetrias estranhas e belas. Na noite, sublime, infinitas estrelas.
A tanguinha na areia. As estrelas no céu. As ondas no mar bravo.
O planeta Terra gira sobre si mesmo para se bronzear por igual, e de vez em quando faz sombra fresca na Lua. As línguas chamam de eclipse um gosto natural por água de coco.
A noite era negra, cheia de estrelas. E negra era a mulher por trás da tanguinha. Negra e magra. Uns setenta anos. Sentada, na praia de Santos, na virada do ano. Uma barulheira infernal. Uma multidão em torno dela. Pintos alcoolizados mijavam em derredor.
Um cheiro putrefato. Peixes e restos humanos. E o mar, muito bravo, espumava sal cisne. A mulher negra de nariz adunco, banguela, fitava a conchinha. Mas não enxergava bem. Rotas retinas ressecadas por trás de uma inocente tanguinha azul.
Vinte anos atrás ficou conhecida na França, dançarina famosa de rítimos exóticos, sangue cheio de paixão tropical. Por dinheiro graúdo, e só nesse caso, passava a noite com um homem qualquer que ela escolhesse dentre tantos pretendentes.
E hoje a encontramos alí, só, em meio de milhares de homens e de estrelas, fitando um mistério transparente. O da simetria estranha e bela da conchinha branca.