Um ser que participa do Todo e tem saudade do tempo que não foi, mas sabe que um dia nele irá se desmanchar, e flutuar. Porquanto participo da sopa divina.
domingo, setembro 29, 2002 Shakespeare � o melhor dos escritores
A obra de Shakespeare � t�o boa que se tomarmos qualquer uma de suas frases isoladamente, poder�amos, sem d�vida, us�-la como cita��o.
Coisa gozada: todos os seus personagens falam muito bem, t�o bem quanto o pr�prio autor. �bvio que Shakespeare, neste aspecto em particular, n�o pretende retratar a realidade tal qual esta se apresenta, sob a corrup��o dos sentidos. �, outrossim, sobre realidade essencial mesma, seguindo os bons conselhos da Po�tica de Arist�teles, que ele deita seu olhar. Anseia, como esp�rito superior que �, ao universal, e explora todos os meandros da condi��o humana: o destino, a morte, o ber�o, as paix�es, a honra, a verdade (n�o digo sinceridade, pois este conceito plebeu � indigno de cr�dito) a falsidade, a moral. N�o se det�m em mostrar, como muitos realistas, o particular, a pura idiossincrasia desnecess�ria. N�o fica como o ultra-realista Kundera, a explanar profundamente sobre a bosta. Em William, n�o h� espa�o para isso: nenhuma das suas personagens tem, por exemplo, mania de co�ar o nariz.
Pelo contr�rio, elas s�o como que representa��es corporificadas de atributos essenciais. O autor exagera, � fato, mas exagera para tornar apreens�veis certas qualidades que tamb�m carregamos em n�s, embora em menor grau e, portanto, menos percept�vel ao olhar da consci�ncia, sempre � inviesado e torto.
E n�o � preciso que um Freud venha enunciar - isto sempre foi sabido pelos homens de cultura - este olhar da consci�ncia sempre v� o mundo atrav�s dos �culos da paix�o, �culos que a pr�pria consci�ncia, devido ao longo h�bito, n�o se percebe usando, at� que um dia ela se v�, para seu susto, refletida no espelho. E este espelho � justamente a pr�pria pe�a shakeasperiana.