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Um ser que participa do Todo e tem saudade do tempo que não foi, mas sabe que um dia nele irá se desmanchar, e flutuar. Porquanto participo da sopa divina.


























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Antigo blog do pulmao




























Pulmão Cabeludo
Alea jacus est
sexta-feira, junho 25, 2004
O nome de Severino de Jesus pairou pela cidade como o maior defensor do bidê em solo brasileiro. Sua fama, que mais tarde viria a tomar proporções mundiais, teve início em meados de oitenta, quando ainda proclamava pelas ruas da cidade a utilidade do aparelho. E foi numa destas ruas que o encontrei, pela primeira vez, quando atravessava, após um árduo dia de trabalho, a praça quinze. Vi uma multidão disputando a ombros o melhor lugar para ver, lá na frente, um sujeito moreno, camisa social, o dedo erguido para o céu num gesto de eloqüência conscientemente contida. Versava o sobre bem viver.

“Meus amigos, o bidê não é objeto de luxo como pensam os comunistas. Nem um simples bem de consumo como qualquer outro, tal como pensam os capitalistas. Não, definitivamente não. O bidê é um objeto sublime. Vejamos o esplendor de suas curvas, o brilho fosco do azulejo bem temperado, seu contorno arrojado, sua cor marota. Mas acima de tudo, levemos em consideração sua utilidade prática.

A humanidade ficará eternamente agradecida pela inauguração de uma nova era em que o homem terá queimado o último papel higiênico. Sem dúvida, alguém que ama a si mesmo é alguém abomina o papel higiênico.

E não podia ser de outra maneira. O homem que do papel higiênico faz uso exclusivo é um ser atormentado. Se os grandes monstros da história desfrutassem do bidê a história seguiria por caminhos mais doces. Mussolini largaria tudo para se tornar pugilista. A Alemanha de Hitler seria hoje um jardim de variadas flores.

Mas o pior tipo, o ser mais raivoso, é aquele que, não bastasse o uso do papel higiênico, ainda usa o cor-de-rosa, aquela lixa desumana. Sinto asco só de pensar na imoralidade daquele objeto horrendo, que não absorve nada, e vêm traumatizando centenas de milhares de almas sensíveis. Não é concebível que o homem em sã consciência o use ao seu bel prazer. Só sob o jugo do opressor ou pelo descontrole da razão, um cidadão médio o tiraria da prateleira do supermercado para botá-lo no seu carrinho.

Com efeito, o papel higiênico é mais vezes utilizado como técnicas de auto-massacre. Tem-se notícia que, para se redimir de seus hediondos atos criminosos, Stalin usava-o freqüentemente em acampamentos na Sibéria. E a ciência nós diz que o uso do papel higiênico rosa em crianças vêm a contribuir para o homossexualismo futuro, bem como o uso dos papéis higiênicos aromáticos, com especial atenção aos de pêssego, morango e cereja.

Oh! Meus amigos, não sigam o torpe exemplo dos acadêmicos, que usam suas teses como produto de limpeza. Não! Deus quer bem daqueles que amam seu fiofó. Vejam por exemplo, Pardinho: nunca usou papel higiênico, mesmo no tempo que ainda era roceiro do triangulo mineiro. E eis o segredo da elegância e do bom humor desse ilustre homem: ninguém ama mais a vida do que o homem que faz bom uso do bidê.

Quantas horas de prazer e relaxamento a humanidade não teve em cima do bidê? Mas esse quadro vem mudando a cada dia que passa. Os grandes banqueiros mundiais, após Breton Woods, em sua temerosa tentativa de controlar o mundo, vem diminuindo em doses homeopáticas o valor do bidê na mídia e nas instituições globais. Ato espúrio que escandalizaria todo o séc. XIX. Nunca o bidê foi tão badalado quanto na “belle époque”.

Os argumentos não chegariam ao fim. Que seja gravado na superfície da lua: o homem sobre o bidê é um homem satisfeito. Para ele, a ambição do poder e o fogo da luxuria não lhe consome a mente. Está longe, tão longe do pecado quanto um condor em pleno vôo está dos seres rasteiros e vis que serpenteiam sorrateiros pela terra. A criatura sobre o bidê é quase divina: nela não se encontra nenhum mal. É pura bondade, é pureza, é perdão. Ninguém sente tão profundamente a alegria de viver. Esta em paz, como o Cristão exemplar.

E por que a humanidade tem desprezando o bidê? Simplesmente o bidê é uma ameaça ao status quo. Tentam tapar a boca ao bidê nos meios de comunicação devido à estrondosa revolução mundial que sua justa valorização acarretaria.”

Neste momento, o nosso grande orador faz uma longa pausa e, enchendo o pulmão de ar, como se juntasse forças para lançar ao mundo a idéia que viria a ser a ruína dos pilares da civilização ocidental:

“O bidê, portanto, é infalivelmente o novo substituto da cruz. Isto não implica, evidentemente, no desmerecimento nem do bem nem do Cristo. Pelo contrário, Cristo, sentado sobre o bidê deveria ser grande símbolo dos altares. Algumas gravuras teriam cristo conversando com seus apóstolos, todos eles também sentados em bidês. Teriam os olhos calmos e serenos, discorrendo, no frescor da inteligência, sobre unidade indivisível da santíssima trindade.

Certamente estou ciente de que o bidê, sendo uma invenção moderna, não pertence ao texto bíblico. O mais próximo que se pode chegar dele é o riachinho da aldeia, matéria prima de todo batizado: intuição genial que antevia, dois mil anos antes, a existência do bidê. O elemento que lhes dá união sob o signo da purificação não podia ser outro: a água.

Em nossa nova perspectiva cosmológica e moral, os dois grandes extremos metafísicos são, portanto, o bidê e o papel higiênico rosa. Lógico que refiro ao bidê ideal, tendo em vista a grande diferença de qualidade entre os bidês reais. Do mesmo modo como alguns ignorantes possuem coleções de livros como objeto de decoração, alguns sujeitos, querendo afetar bom gosto, instalam, em seus banheiros, lindos e pomposos bidês, com válvulas douradas e cordões reluzentes. Mas são logo desmascarados pela prática, ao experimentarmos o jato de água se projetar em cone, molhando toda a bunda sem molhar o essencial. Tive o horror de conhecer bidês cuja pressão da água era insuficiente mesmo para se fazer o digníssimo ato de lavar a bunda. A água apenas respingava, muito de leve, sem causar grandes efeitos que não fossem pequenas cócegas.

Não interessa se esses falsários são novos ricos ou não, o que interessa é que a instalação de um bidê não implica em sua utilização.

Nesse instante, os ouvintes estão estupefatos. Permanecem em silêncio durante certo tempo até que toma lugar um alvoroço de vozes. As pessoas na rua expõem suas dúvidas educadamente para seus companheiros, enquanto outros arriscam dirigir sua palavra ao mestre. Súbito, um homem gordo e de bigodes se lança sobre a multidão. Com voz poderosa apresenta o seguinte dilema:

“E quanto ao bidê de mão?”.

“Sim, o bidê de mão é constituído por aquela mangueirinha ao lado da privada, certo? Bom, a sua utilização é, de modo geral, mais desconfortável que o bidê normal, embora apresente algumas vantagens, como o direcionamento manual do jato d’água. Contudo o defeito reside no fato de que a força da pressão do jato d’água não poder ser regulada senão de forma tosca, através do afastamento manual da fonte de água, o que, convenhamos, é coisa mais de um troglodita que de um uma criatura delicada. Mas devo admitir que, embora represente um mal gosto, é perfeitamente aceitável alguém de saúde mental intacta preferir o jato de água manual ao clássico bidê”.

Um estudante de psicologia ali presente, depois de ter feitos comentários repletos de sorrisinhos irônicos para suas amigas, lança ao mestre esta pergunta, com ar de garoto inteligente e bacana da facú:

“Alguém que usa bidê com freqüência tem a propensão de se tornar homossexual?”.

“Não. Pelo contrário, o bidê alivia a tensão da alma e do corpo. E o homossexualismo nada mais é que um modo de aliviar estas perturbadoras tensões que nos afligem cotidianamente, como agulhas fincadas espinhas e nuvens negras ofuscando a clareza da alma. É, entretanto, o modo mais grosseiro, doloroso e desnecessário de se escapar ao mal.

Nesse momento o grande mestre, numa incontida exultação, começa a distribuir estas palavras:

Ah! O bidê é confortável! Refresca no verão e aquece no inverno! É por isso que o gay o é apenas porque o desconhece. Aliás, usa o bidê sim, mas o bidê errado, de forma errada, na hora errada. A base do erro é que tomam sua prática como meio, como instrumento, função, método, e nunca como fim em si mesmo. E ele se basta, eis o sentido mais pleno do bidê.

De fato, um dos preconceitos dolorosos do mundo hodierno, e que se faz passar desapercebido, diz respeito ao reducionismo do bidê às suas funções higiênicas. Este mal tem origem, sem dúvida, com o advento do racionalismo, corrente de pensamento que, por acreditar no poder ilimitado da razão, subordina o bidê a uma escala de valores na qual a privada sai triunfante, como a detentora de todos os louros. Não há idiotice maior que esta.

Por isso, na linguagem simbólica de Avanhandava a privada designa as forças racionais e civilizatórias. Enquanto que o bidê, em contrapartida, é o correlato da elegância.

A privada tem hora marcada pelo relógio da necessidade. O Bidê não. Por isso o bidê também é representativo do livre-arbítrio, da porção sublime do homem. Foi criado para ser usufruído a qualquer hora, bastando, para isso, querer. Existe algo mais gostoso do que acordar, escovar os dentes e ir logo para o verdadeiro trono? Atravessando, deste modo, com o barco do devaneio, o lago indiscernível cujas águas separa o sonho da realidade e a realidade do sonho? O bidê é o verdadeiro alimento da alma e seu principal meio de ascensão: não a música, não a dança, não a arte, mas o bidê, e tenho dito."


6:00 PM


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