!> !> Pulmão Cabeludo
Um ser que participa do Todo e tem saudade do tempo que não foi, mas sabe que um dia nele irá se desmanchar, e flutuar. Porquanto participo da sopa divina.


























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Pulmão Cabeludo
Alea jacus est
sexta-feira, junho 25, 2004
Na passada eu vi um pacu em cima da mesa.

Na quinta feira assei um pacu de dois quilos e meio aqui na minha casa. Recheei a parte interna do peixe de farofa com couve. O pacu, o grande pacu, passou duas horas no fogo brando. É um peixe muito gorduroso, necessita tempo para ficar sequinho. E justamente por ser gorduroso que o pacu é conhecido, pelos meus amigos, como a picanha dos peixes. Se vocês estivessem aqui em casa, poderiam ter certeza: estava bom mesmo. O pacu, de fato, é muito saboroso, é um peixe de rio e tem as características típicas de um peixe de rio. Quem gosta de peixe de rio, do seu inconfundível sabor de barro, nunca nega um pacu. Entretanto, o sabor da costela do Pacu é mais suave que o sabor da cacunda.

Como tempero opcional, preparei um molho a base de shoyo e gengibre ralado, que você podia jogar por cima do peixe.

Não é necessário dizer que não faltaram as piadinhas: “Vamos comer o pacu do Pulmão”, etc.

Quando a assadeira aterrizou na mesa, todos salivaram. Estava lá o pacu, todo oferecido, com sua carne tenra. Depois do pessoal ter provado e aprovado vieram os elogios e as perguntas sobre a receita. Responder a essas perguntas é sempre divertido. No fundo é tudo muito simples, mas é quase uma ofensa dizer que é simples.


Disse, como quem compartilha um segredo, que tinha feito uma pesquisa nas peixarias de Ribeirão e que aquele Pacu, sem dúvida, era o melhor que eu havia encontrado, tinha vindo do Pará (isso é verdade). Nessa hora todos se impressionaram, ninguém esperava que alguém pudesse se preocupar da procedência do Pacu.

O pacu tinha dois quilos e meio, tamanho ideal para o Pacu (nunca compre um pacu com mais de três quilos, ou com menos de um quilo).

Depois disse que havia investigado o peixeiro sobre o processo de conservação do peixe. Disse com tamanha seriedade, que pareceu a todos a coisa mais óbvia do mundo esse cuidado. “A qualidade dos ingredientes é a alma da cozinha” – uma voz retumbou triunfante na mesa, para mostrar entendimento. Todos concordaram.

O que achei mais insólito, na verdade, foi o próprio peixeiro e sua figura. Era um tipo engraçado, parecia o Agostinho da grande família. Disse-me que seus peixes passavam por um tubo de congelamento que fazia com que o peixe, em meia hora, já estivesse congelado. Depois, falou mal das outras peixarias, sobretudo do Carrefour, em que se encontram aqueles peixes que ficam no gelo. Confidenciou-me, já com uma certa intimidade, que os peixes do Carrefour são de cativeiro, o pessoal usa hormônio, e ainda uma substância que espirram no peixe para conservá-lo. “Três dias no gelo, meu amigo, você acha que um peixe agüenta isso?” Já o seu peixe não, vinha do Pará. A certa altura, o peixeiro estava tão empolgado com seu próprio discurso, que começou a relatar a procedência de cada um de seus peixes, abrindo o freezer e me mostrando um por um. Piapara do Rio Grande, piraputanga de não sei da onde, corvina, filhote, tambacú, dourado.

Diante desta situação, senti uma fagulha de orgulho: o peixeiro tinha-me como um grande conhecedor de peixes. Então, ensaiei uma cara séria de entendido em peixes, ou pelo menos de um apaixonado pela pescaria, e comecei a gastar todo o meu conhecimento no assunto, arriscando palpites e comentários:

“Realmente, hoje em dia está difícil pescar no mato-grosso, a pesca predatória está acabando com os peixes da região. Há dez anos atrás, que beleza!”. (Depois fiquei preocupado, minha idade aparente não me permitia falar nem de sete anos atrás).

“Tem dourado aí? O dourado é um peixe delicioso, pescá-lo então é uma beleza! Ô peixe brigadô!”.

Depois, discutimos sobre a receita do caldo de piranha, e o problema dos espinhos. Mas para frente já compartilhamos daquele ar confidencial dos amigos de longa data ao discutirmos sobre a validade ou não do coentro na moqueca.

Mas não sei se era exatamente isso que eu queira falar, meu plano era falar sobre a arte de vender o peixe, uma das artes mais importantes de que tenho notícia.

2:01 AM


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