Um ser que participa do Todo e tem saudade do tempo que não foi, mas sabe que um dia nele irá se desmanchar, e flutuar. Porquanto participo da sopa divina.
Andava descalço no meio da cidade morta. Seus olhos fixados no asfalto cinza e suas sobrancelhas contraídas. Buzinas distantes lembravam a existência de vida. Ratos voadores rondavam em círculos ao redor da lua, projetando sinistras sombras nos prédios desolados. Um cachorro doente de raiva arremessava-se contra as grades.
Os contornos do dia anterior borravam na memória. O mar. O demônio. O sangue. Seria mesmo Cristo andando na superfície azul do Mar?
Dez quilômetros depois seus órgão se separam. Seu estomago, desistindo de tudo, pega a primeira canoa. O crânio estoura e o cérebro, liberto da carne, flutua numa cápsula transparente, trespassando a estratosfera. Os olhos na massa cinzenta como cerejas no sorvete. O pulmão, expandindo, beija a parte mais volátil do ser.
Dez dias depois surge a grande peneira. Filtrando a luz, os planetas e a mesquinhez. O cérebro não passa pelos poros da peneira. Carne moída é o que sobra do estômago, para a felicidade dos animais devoradores de cadáveres.
Nos fins dos tempos, numa sala branca, asséptica, o cérebro foi transferido para o liquidificador. Depois de tornar-se pasta, passa por um processo de depuração gradual, até sobrarem algumas gramas de amor em estado puro, que será posto em pequenos frascos de cristal.
Cristo andava pelo mar, e deus sustentava-o com barbantes invisíveis.