Um ser que participa do Todo e tem saudade do tempo que não foi, mas sabe que um dia nele irá se desmanchar, e flutuar. Porquanto participo da sopa divina.
Ao ser humano foram dados alguns direitos invioláveis. Tão universalmente válidos que certos filósofos chamam-nos de “direitos naturais do homem”. Destacam-se, dentre eles, o direito a vida e o de propriedade. Aliás, tiro o chapéu para ambos os direitos mencionados. Tenho a convicção de que, em uma civilização culta, de espíritos polidos, a validade de tais direitos passam longe de serem alvos de polêmicas, posto serem imediatamente justos a qualquer intelecto esclarecido. Todavia, há um outro direito, preterido injustamente, e, entretanto, não menos importante, a saber, o direito à estupidez.
O direito a estupidez, ouso dizer, é um dos direitos mais básicos e importantes que existem. E à medida que o tempo passa, novas atitudes estupidas são somadas aos repertório de trilhões de bilhões de atos estúpidos já feitas em todo o mundo. E assim, sua evidência se torna mais e mais gritante e nítida.
Só um monstro poderia ser contra tal direito por este blog reivindicado. Alguém que espera de si ou dos outros algo tão simples e besta como a perfeição absoluta. Tendo este ideal em vista, o indivíduo está condenado a se julgar até o fim de sua vida não outra coisa que uma bosta, peço perdão pelo termo áspero. Sim, um bosta. Dedicará seu tempo ocioso na estranha arte de causar sofrimento em si mesmo, através da divisão da consciência em duas, uma que chicoteia e outra que recebe a chicotada.
Uma personalidade como esta une em si duas qualidades que melhor seria não misturá-los. A burrice e o estoicismo. Assemelha-se a um jegue que julga, com o poder da mente, diminuir o tamanho de suas orelhas e, não obtendo êxito, julga-se imprestável, um bosta. O ideal está errado, o método está errado.
O direito a estupidez, assim como qualquer outro direito, pode sofrer de usos abusivos. Neste caso, é a má fé que ele pode suscitar, quando o sujeito passa a ser estúpido em tempo integral.
Existem duas classes de estúpidos em tempo integral. 1) Pode ser uma máscara da canalhice, como no velho truque da mão boba. 2) Apenas é um ser adepto de ideologias que pregam uma vida em harmonia com a natureza íntima do coração, agindo de forma espontânea e dando livre vazão ao que há de mais puro em si: a burrice. Então coloquemos as coisas no seu devido modo - o direito é de ser idiota de vez em quando, e não sempre. Vejam bem, não sempre.
Assim, devemos evitar fazer idiotices, mesmo sabendo que iremos mais cedo ou mais tarde cometê-las, até o fim da vida. Assemelha-se a concepção cristã do pecado – sabe-se que irá pecar. Que fique claro, nem toda idiotice é pecado, e nem todo pecado é idiotice. Mas bom não esquecermos o que ambos guardam em comum: uma idiotice feita por você, por um amigo, por um familiar, ou pela sua namorada, deve sempre ser perdoado.
Está fora de moda ser humanista. Ao longo de minha vida conheci poucos verdadeiros humanistas. Oh! Que saudade de escutar alguém encher a boca para se gabar: "sou humanista". Já faz uma década e ainda tenho clara na memória as palavras de um velho amigo: "Sim, sou um humanista, acredito no homem, e aceito-o como ele é: mesquinho, egoísta, invejoso, fraco, perdido".
Hoje olhei para muito mais do que costumo olhar.
E tento escrever sobre isso.
Querendo capturar o mundo com um grito.
Tarefa inútil. Inútil mundo.
Hoje, as três da tarde,
respirei gás carbônico e olhei
Os carros,
Os vidros dos carros,
Os rostos por trás dos vidros,
A alma por trás dos rostos,
E Deus por trás da alma.
E Deus, não tendo ninguém por trás,
Deu um sorriso virginal.
Estômago
O estômago digeria calado,
Influenciando o resto do mundo,
Estômago empresário,
Estômago proletário,
Estômago imenso,
Dono dos ventos,
Que sopram
A matéria fina dos sentimentos.
Eu pulo pela sala. Pulo pela sala. Ah, é diferente, é diferente, é igual, é parecido.
Já estou cantando vitória. U-hu. Vai acontecer assim e assado.
A água, quando pura, é transparente. Não é opaca, nem invisível. Algumas vezes turva. A paca, quando é transparente, não é o paca, nem é parente de ninguém. É mais do que um parente, é mais que pai, é translúcida? Trasfinita? como a consciência de si?
É isso o que quero dizer: prefiro ler do que escrever.
Um feto foi abandonado no lixo,
Depois de dois minutos seu coração,
Tic-tac-tic-tic.
Tchau, feto.
As coisas.
Tantas coisas.
Onde estão as coisas?
Lá fora brincando no quintal?
Dentro da nossa mente?
Dentro da minha mente escuto vira e mexe uma vozinha.
Ela fala baixinho, às vezes sussurra, às vezes me xinga.
E por que será que tenho o orgulho e tonto hábito de pensar que sou essa vozinha.
Eu um cogito a cogitar?
Um vozinha?! A vovozinha! (sai dessa, rapaz)
Mas como é difícil tapar a boquinha mucha no canto da mente.
Só quando estou no cinema é que se cala.
Ou às vezes quando escuto música. Mas é raro.
Vou dizer a verdade para vocês,
Minha mente é uma tagarela,
Às vezes não me permite nem ler,
Vou lendo e ela vai falando por cima.
E isso tem nome: falta de concentração.
Para se concentrar é preciso fazer essa voz calar a boca.
Ou ao menos fazer essa voz comentar o objeto da atenção.
Apesar desse último ser diferente do “mergulhar” em algo.
Mas por que, meu caro amigo, a minha consciência gosta tanto de falar
Esse blablablá interminável?
Amanhã tem dentista.
Não se esqueça de passar no cartório.
Será que aquele filha da puta deixou a papelada no jeito.
Será que precisa de foto.
Aproveito que vou passar no banco e já bato umas fotos ali mesmo.
Até que não é caro.
Puta! Meu dinheiro ta acabando.
O que é que eu vou comer.
Desde criança me fascina a cultura oriental,
A arquitetura, a arte, as roupas, a perfeição, a honra.
Foi na Manchete,
Que vi um documentário,
Japão: a Magia do Tempo.
Mostrava uns hotéis que se pareciam colméias:
Uma cabine de um metro de largura com uma cama e uma televisão.
Achava tudo aquilo muito legal e queria ir para o Japão dormir ali.
Na época fazia karetê e ficava feliz quando usava quimono.
Mas não gostava muito do nome que davam para quem fazia karatê.
Karateca! Credo! Nome feio sô.
Os monges pregam o silêncio da mente.
Pssssss.
(um minuto de silêncio)
Os gráficos mentais tornam-se ondas,
Sem bicos sem quinas,
E é gostoso se derreter no mundo e ficar ondulando.
Algumas idéias trago comigo
No coração.
E às vezes quando estou mais calmo,
Contemplo essas idéias,
E elas tomam conta de mim.
E sinto espasmos e tremores.
(geralmente não é bom contar para os outros essas idéias)
Sou um pedaço do mundo.
Quando penso é o mundo que está pensando.
Todo pensamento é um pensamento do mundo.
Quando a baleia pensa é o mundo que está pensando.
Não estou separado. Não estou isolado. Não estou só.
Meu pescoço se estica um metro para cima.
Minha boca se abre como nunca abriu.
Só para gritar, com toda a força,
Por um transbordar de felicidade:
Sou um pedaço do mundo.
Feito de barro de ar de fogo e outros elementos.
Agindo e reagindo,
Como a pedra,
Como o iodo,
Como a cadela da vizinha.
Todos os pensamentos são os pensamentos mundo.
O mundo pensa muitas coisas ao mesmo tempo. Mais de um bilhão de coisas.
Um amigo me mostrou certa vez que conseguia pensar em 9 coisas ao mesmo tempo.
Era seu máximo.
Pensava em duas músicas, quatro pessoas, um princípio filosófico e não me lembro os outros pensamentos.
Mas de costume pensava em duas ou três coisas ao mesmo tempo.
Pensar em nove coisas ao mesmo tempo é difícil, concordo.
Eu mesmo só consigo pensar em cinco coisas ao mesmo tempo.
E só depois de treinar muito,
E pensamentos fáceis.
Mas não pensar é bem difícil também.
Não estou separado do mundo.
Confundo-me com o mundo.
Acho que foi Ortega,
A circunstância faz parte da pessoa.
Às vezes estou parado e começo sem querer a pensar em posts.
Cinco anos atrás isso não me acontecia.
Agora acontece e é isso.
sábado, julho 17, 2004
Visitar a fazenda no interior do Mato Grosso do Sul é como visitar outro mundo.
Tínhamos acabado de jantar e o capataz discorria sobre cavalos. Eu só entendia metade do que ele falava, como se ele usasse outra linguagem.
E de fato usava outra linguagem. Seu vocabulário era mais vasto do que o meu, muito mais vasto, ao menos no que se refere aos fenômenos do campo. Era tão difícil entendê-lo quanto entender Heidegger ou qualquer economês. Já li o Grande Sertões Veredas e garanto que é bem mais fácil entender a linguagem de Guimarães do que a linguagem do capataz.
Ah, é bom reafirmar que o capataz não era tonto, e se comunicava apenas por monossílabos como em Vidas Secas. Era esperto e sabia um monte de palavras por causa de sua profissão. Em suma, seu vocabulário era adequado ao seu trabalho.
Algumas expressões:
"O boi está tocando de roda" "A égua está viciada" "A buchecha da vaca"
Ás vezes, porém, não era uma questão de linguagem, mas uma questão de percepção associada à linguagem. Explico-me: o reconhecimento do fenômeno está associado ao ato nomeá-lo. O peão percebia reconhecia o sentimento da vaca tão logo batia o olho no animal. Eu, do meu lado, sentado no cavalo, entendia aquilo com a profundidade com que ele entenderia um computador. As vacas, para mim, mal se diferenciavam pela cor. Talvez a única diferença visível era a ausência ou presença de chifres.
Ele conhecia cada boi ou vaca, os quais tinham para ele uma personalidade bem nítida, quase idiossincrática. Apontou-me um garrote, no meio de outros cem iguais a ele, e comentou orgulhoso que semana passada o bicho havia varado uma cerca e tinha ido para o pasto das vacas. E qual foi meu espanto, escutadar dele, durante o jantar, que japonês era tudo igual. E diga-se que, por japonês ele abarca o de chinês, o coreano, o esquimo. Japonês é tudo aquilo que tem olho puxado.
Descobri com ele que havia cavalos mais inteligentes do que outros, que não aprendiam nunca, eram burros mesmo. E essa estória de que Deus equilibra nas criaturas as qualidades é uma besteira. Há cavalos que são bons em quase tudo, e outros não prestam nem para puxar charrete. Pensei em argumentar que os cavalos que "não prestam" talvez fossem mais felizes, mas o bom senso não me permitiu fazer esta consideração tão idiota.
Na verdade, concordo com capataz. O que iguala os seres de uma mesma espécie não são o equilíbrio das qualidades. Mas a morte, que vem para os felizes e os infelizes, para os pobres e os ricos.
3:48 PM
domingo, julho 11, 2004 Fazenda
Adeus, essa semana estou fora, vou para a fazenda, um lugar repleto de galinhas das mais variadas e terríveis espécies. Irei encará-las sem medo.
Não sei se é a hora certa. Mas devo contar uma verdade terrível aos paulistanos e toda a sorte de metropolitanos. Recomendo os de alma mais sensíveis a sair agora deste blog. O frango é a galinha depois de morta. Sim, a hedionda galinha, aquele animal asqueroso, assustador.
É pra carne ficar mais macia é mais gostosa que cortamos fora o saco dois bois jovens. Meu pai acabou de me dizer que têm umas duzentas cabeças de gado pra caparmos. Que bom, haverá churrasco de bago! Depois de passar o dia inteiro capando irei ler, à noite, cheio de afetação e frecura, Jane Austen, Pride and Prejudice. É um ótimo livro, agradeço Mr. Silva pela sugestão.
Um relativista é um sujeito absolutamente idiota. A verdade não é relativa.
Existe ao menos uma verdade incontestável, absolutamente verdadeira para qualquer um, em qualquer época, e continua sendo verdadeira mesmo que vá pra pindaíba o último ser humano. Eis: "Alguma coisa há".
Nem que seja a ilusão, os sentidos, a dúvida, as sensações, o pensamento, ou o bidê. "Alguma coisa há". Podem espernear, podem arrancar os cabelos, mas alguma coisa há.
Abaixem a cabeça e engulam essa verdade, seus relativistas duma figa. Essa verdade é o ponto arquimédico do filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos, em sua obra Filosofia Concreta. É evidente que este ponto arquimédico é mais robusto, por exemplo, do que o cogito descartiano, resumido na máxima: "Penso logo existo".
Se você aceita esse axioma, "alguma coisa há", então você necessariamente terá que aceitar como verdadeira cada palavra dos três livros de sua Filosofia Concreta. Não é por acaso que Olavo de Carvalho toma o Ferreira como um dos maiores pensadores da língua Portuguesa.
Lógico, os brasileiros, conhecendo-se a si próprios, tem o saudável hábito de desconfiarem de si, preferindo importar modelos teóricos. Estão certos, mas, digo, esse caso é uma exceção. Mário Ferreira é a própria inteligência encarnada. Seu estilo não é lindo, não tem aquele floreios do rococó, que os vulgos tanto amam, mas é o estilo da verdade. Seco e exato.
Andava descalço no meio da cidade morta. Seus olhos fixados no asfalto cinza e suas sobrancelhas contraídas. Buzinas distantes lembravam a existência de vida. Ratos voadores rondavam em círculos ao redor da lua, projetando sinistras sombras nos prédios desolados. Um cachorro doente de raiva arremessava-se contra as grades.
Os contornos do dia anterior borravam na memória. O mar. O demônio. O sangue. Seria mesmo Cristo andando na superfície azul do Mar?
Dez quilômetros depois seus órgão se separam. Seu estomago, desistindo de tudo, pega a primeira canoa. O crânio estoura e o cérebro, liberto da carne, flutua numa cápsula transparente, trespassando a estratosfera. Os olhos na massa cinzenta como cerejas no sorvete. O pulmão, expandindo, beija a parte mais volátil do ser.
Dez dias depois surge a grande peneira. Filtrando a luz, os planetas e a mesquinhez. O cérebro não passa pelos poros da peneira. Carne moída é o que sobra do estômago, para a felicidade dos animais devoradores de cadáveres.
Nos fins dos tempos, numa sala branca, asséptica, o cérebro foi transferido para o liquidificador. Depois de tornar-se pasta, passa por um processo de depuração gradual, até sobrarem algumas gramas de amor em estado puro, que será posto em pequenos frascos de cristal.
Cristo andava pelo mar, e deus sustentava-o com barbantes invisíveis.
Hoje resolvi ir ao mercado, precisava de alguns legumes para o almoço. Adoro legumes. Quando eu como legumes, me sinto bem. Não posso explicar perfeitamente o que é se sentir bem.
Perfeitamente, talvez, eu não consiga explicar nada. Sempre penso na hipótese e na contra hipótese. Avalio qual é a melhor. Muitas vezes acontece de não conseguir decidir qual é a melhor.
Vou comprar legumes, sei disso. Mas antes de tomar tal resolução, pensei se não seria melhor fazer um belo macarrão com carne moída. Tenho carne moída dentro da geladeira, descongelar com microondas é simples. Não. Não vou comer macarrão, macarrão eu comi ontem e hoje não vou repetir. Legumes é melhor, tenho certeza. Não posso mesmo explicar ao certo porque tenho tanta certeza de que quero comer legumes, mas que tenho certeza, tenho.
Um cafezinho e um cigarro antes de ir comprar carne moída seria uma boa coisa a se fazer. Tem só um problema: acordar já partir direto para o cigarro e para o café pode ser prejudicial. Não que eu dê importância à saúde, dou importância para meu bem estar. Percebi que estava com sede. Resolvi, então, por via das dúvidas, começar o dia com a substância que eu mais confio, a água, de preferência a que habita no filtro.
Todos os copos estavam sujos. A bucha, soterrada no meio de pratos, repugnava minha mão. Então selecionei, em um instante, qual era o copo mais limpo e resolvi pegá-lo, passei nele apenas uma água e fiz minha própria mão de bucha.
Em seguida preparei o café e acendi o cigarro. Fumava e bebia o café. O café estava meio sem açúcar, um pouco mais seria melhor, mas não tive vontade de levantar para mais açúcar. Pensava em ir para o mercado. Sim o mercado. Tenho muita coisa para fazer hoje, depois que for comprar legumes. Será que vale a pena comprar legumes? Se comprá-los, terei que prepará-los e resultará que terei que comê-los muito tarde. Ainda mais, terei que os lavar os legumes e os pratos, ainda, terei todo trabalho da digestão. Digerir talvez seja a melhor parte, tendo em vista que legumes são de fácil digestão comparativamente com carne, gorduras e frituras. Mas isso não é importante. Na verdade não sei porque estava me preocupando com essas coisas fúteis. Deve-se comer pelo sabor, e a comida deve ser gostosa. Gostosa. Os prazeres da mesa são importantíssimos. Legumes com um gostoso arroizinho seria ótimo. É uma comida leve, digeriria rápido e estaria pronto para fazer o que tinha de fazer.
Era Sábado. Fui a pé a mercearia. Assim que entrei no raio de ação do velho gordo e dono que atendia comecei a disfarçar e a olhar os produtos da prateleira. Enquanto isso, ele fingia de desinteressado, com o ar de quem está ali por acaso. Assim que entrei, olhei para o chão, soltei um murmúrio assemelhando-se a um comprimento. Em seguida um pergunta veio a minha mente. Será aquele comerciante velho fazia questão que eu o cumprimentasse com gosto?
Um dia fui a sua mercearia comprar um cigarro e ele me disse que não havia mais cigarro. Perguntei ao velho gordo onde havia um outro bar que vendia cigarro, ao que ele prontamente respondeu.
Como havia dito que depois de comprar o cigarro voltaria lá para pegar as cervejas, me pediu um favor, que aproveitasse a viagem e comprasse cigarro para ele no bar, ele abateria o cigarro do preço das cervejas. Sem problemas. Depois que comprei o cigarro e retornei ao estabelecimento, entreguei-lhe o cigarro. Então olhou para mim disse “obrigado” e eu disse automaticamente “obrigado a você”, então percebi o erro na resposta. E, já louco para ir embora daquele local, murmurei, muito baixo, tão baixo que nem eu mesmo pude entender: “de nada”. Fui embora, caminhando sobre meus tênis e meus tênis sobre o asfalto.
O velho, com certeza, percebeu como eu o tratava ao dizer “obrigado a você”. Havia escapado, sem dúvida, mas são as séries dos pequenos atos que revelam as pessoas. Se escolhesse, teria falado sincera e naturalmente “de nada”. Mas não. Agora ele teria certeza que eu não me preocupava com ele, revelando nossa relação falsa de amizade puramente baseada no comércio. Era a prova final que ele necessitava, tratei-o como um bicho, como um autômato. Deixei claro que sua palavra não tinha o menor valor para mim.
Mas não éramos amigos, isso é obvio. Porém seria melhor se gostasse de mim. E eu entrasse feliz pela porta, olhasse para ele, e dissesse em alto e bom tom “bom dia”.
- Mas fala aê. E o que é essa camisetinha colada hein? Ah! Eu não esperava isso de você. Baitolagem hein?
- Vai se fuder. É moda, a mulherada gosta.
- Sei, sei, a mulherada de pinto, né veado.
- Isso mesmo.
- O quê?!
- É isso mesmo que você escutou, curto a mulherada de pinto. Traveco mesmo. No duro. Bem duro.
- Que isso!? Cê ta zuando na minha cara. Porra, quantas vezes agente saímos juntos para catar a mulherada e você vem agora com essa. Era o que faltava. Cê tá zuando. Fala sério.
- Não, meu! Caralho! Puta que pariu! Quem disse que é errado dar a bunda para uma mulher com pinto. É proibido por acaso?
- Não porra, cê não tá entendendo ou tá dando de João sem braço. Pega mal. Eu mesmo me sinto mal. Sei lá. Pensar que saímos tantas noites pra catar a mulherada... e de repente, todo esse tempo, você jogava no outro time.
- Quem disse que eu jogo no outro time? Isso é conclusão sua.
- Porra, você mesmo disse, cara. Você me disse que gostava de mulher de pinto.
- É isso mesmo, mas não gosto de homem. Não gosto de dar o meu boga para gay, bofe, michê, nem para bicha americana de bigode e roupa de couro. Definitivamente não. Gosto é de traveco, para falar tecnicamente.
- Tecnicamente?
- Isso. Na hora você nem pensa que é um homem, é mais uma mulher com uma pequena tromba ao invés da buceta. Necessita de muita capacidade de abstração para se concluir que aquilo é XY, homem.
- Tudo bem, vamos resumir. Quer dizer que você continua igual? Só mudou esse pequeno detalhe? Então me fala: e de mulher sem pinto, continua gostando?
- Porra! Pra caralho!
- Que bom. Então vamos catar umas putas?
- Agora.
Nisso, os dois amigos, resolvidos os desentendimentos, foram atrás das putas. Um deles pegou uma puta morena, bem rabuda. O outro pegou uma puta loura dos seios pequenos e bicudos. Foram para a mesma casa e ficaram no mesmo quarto. Se empaturraram de Whisky barato e pediram para as putas se lamber e fazer estripe.
Após dar umas palmadas estraladas na bunda das vagabundas, Dioguinho começou a comer o rabo da morena. O outro, por sua vez, pediu a loura que enfiasse um cabo de vassoura em seu rabo. Nisso, Dioguinho, enquanto comia a puta, já com o suor a escorrer pela testa, virou o rosto para o lado e, reparando no pedido do amigo, disse, num misto de decepção e represália:
- Porra cara! Que isso meu, que coisa horrorosa. Come essa puta direito.
- Porra cara. Não tem nada demais...é só um cabo de vassoura...tá bom.
Então Vilela, pois o nome dele era Vilela, pediu para a puta enfiar o peito bicudo no cu dele.
- Enfia seu peito no meu boga.
- Não dá cara - disse a puta- Não tem jeito, eu não vou fazer essa nojeira. Escute bem: eu sou puta, mas sou honrada. Minha profissão é dar prazer aos homens e não fazer contorcionismos mirabolantes. Com isso nós passamos do limite da hiegiene. Não obstante, a consistência de meu peito, embora bicudo, não permite a concretização de seu desejo. Assim, não insistas mais. Mas se ainda assim persistir tua vontade, posso introduzir meu dedo indicador em seu ânus, enquanto rodo meu peito na região periférica de seu orifício. Talvez deste modo enganemos os sentidos. Isto, com efeito, é o melhor que eu posso fazer a fim de que você obtenha satisfaça. Bom, esta é minha opinião sobre o assunto. Desnecessário dizer que sabemos que cabe só a você a decisão final. Estou aqui para te servir, na medida em que você me pagar. Porém, lembre-se, você está limitado pelo princípio da realidade, e nem todos os seus sonhos podem vir a se tornarem realidade. Portanto, peço prudência, e digo que pense melhor antes de sair pedindo para mim qualquer coisa.
- Puta, minha amiga, suas palavras são sensatas. Deite-se e abra as pernas. Vamos fazer o clássico papai-mamãe.
Dioguinho viu o cara fazendo papai mamãe na puta loura e, apesar do tradicionalismo, ficou feliz com e por seu amigo.
Quando era jovem escrevia sobre legumes. Hoje, cansado que estou, sei que críticas tecidas por gente na qual não damos a menor importância não faz a menor diferença. Mas a crítica feita por alguém a quem valorizamos sempre dói no coração.
O blogger oferece certos recursos que o meu tradicional template ignora. Mas estou apegado a ele e as suas cores pulmonares. Continuarei até talvez algum dia mudar, como mudam as borboletas do meu jardim.
Uma pessoa que anda quilometros só para bater a porta de minha casa e dizer palavras ásperas ou "jogar verdades na minha cara" só pode ser alguém me estima muito além da medida razoável. Geralmente faz partes da tantas bichas enrustidas e invejosas existem por aí.
Hoje você completa a sua vigésima sexta volta em torno do Sol. E neste dia especial quero te dizer o quanto te amo e o tanto que você é importante para mim. Sinto um certo receio, rude que sou, de minhas palavras não transmitirem o que sinto. Seus lindos olhos são suficientes para mostrar ao meu tosco coração o tanto que é bom o amor.
Você reina em meu coração, linda e majestosa. É muita sorte a minha ter encontrado neste planeta alguém com quem compartilhar verdadeiramente minha felicidade e minha tristeza. Sinto-me tão próximo de você, que mesmo longe sinto o calor de sua presença.
Você percebe-me melhor do que ninguém. Entrevê os meus demônios e mesmo assim fica comigo. É que quando estou do seu lado, não dá nem duas horas e meus demônios já estão dormindo. É uma pescadora hábil que fisga em mim a carpa da felicidade. Eu nado em seus sorrisos, passeio pelo seu silêncio, me afundo em seu mistério, me inebrio na sua beleza, me perco na suas curvas, delicio-me com seu cheirinho.
Minha fenícia deslumbrante, eu te amo, e te quero bem, muito bem mesmo.
Multiplica o que eu disse por vinte e seis e encontrará a verdade.
quarta-feira, junho 30, 2004 "Wunderblogs ativar!"
Em breve haverá lançamento do livro dos wunderblogs. Os cavalheiros e as damas esperam ansiosos pelo lançamento. Não exagero: no dia 5 de julho inaugura-se uma nova fase na literatura brasileira.
O post, célula formadora do blog, não pode ser categorizada nem como crônica, nem como poesia, nem como material de confissão . Sua essência é a liberdade. O post pode ser uma frase, um verso, uma genuflexão, pode contar com figura, pode ser uma única figura.
O post tem uma liberdade sem par na história da literatura, da arte, ou da comunicação. Não precisa de uma filosofia que o justifique tal como a arte pós-moderna. Essa liberdade também desfruta o próprio blogueiro. Compara-se a um jornalista dono de seu próprio jornal. Isso por uma razão simples: o baixo custo econômico de manutenção de sua página na Internet.
O resultado é que o blog tem o rabo liberto dos punhos daquele leitor que costuma ficar bem no meio da gaussiana. E não é por acaso. Esse ser medíocre por excelência representa o leitor ideal dos meios de comunicação em geral, o jornal tem a obrigação agradar para não falir. Já o blog pode ter o prazer ou o luxo de vir a agradar, mas nunca a obrigação, eis uma das grandes diferenças.
Dessa falta de comprometimento e de obrigação segue que o blog torna-se uma das expressões máximas do homem contemporâneo, do indivíduo, no sentido forte do termo. Dentro de um blog, encontramos o ser humano com suas particularidades, debatendo com a mídia, com seu mundo. E outras vezes abandonando o mundo e mídia para apenas dar risada e viver bem, no espírito da bossa-nova, leve, risonha e feliz, pois como bem sabem os wunderblogs, o indivíduo é mais do que um coágulo ideológico.
E não se encontra entre eles, como acreditam os jumentos, uma uniformidade de idéias, de gostos, de posições políticas, de assuntos, de tonalidade emocional. O que os une são uma afinidade muito sutil que não consigo entender direito.
Quando a criatura humana, tempos atrás, em um belo dia de sol, provou do fruto proibido, descobriu a diferença entre o bem e mal. Desde então existem comidas boas e ruins, livros bons e ruins, músicas boas e ruins. Da mesma forma são os blogs. Por não se prender a nenhuma forma pré-estabelecida, a nenhum cânone, o blog está para seu escritor assim como a árvore está para a fruta, ou a comida para o cozinheiro. Uma árvore ressecada não dá frutos.
Mas lembremos: comendo a fruta não se deduz o sabor da árvore, da mesma maneira que, ao se comer o cozinheiro, não se adivinha o sabor de sua comida. Mas sem a árvore não haveria a fruta, e sem a fruta o cozinheiro. Enrolei-me, passemos adiante.
Segunda feira haverá a inauguração do livro dos wunderblogs e um novo tempo na história da literatura. Imagino daqui a cem anos nas salas de cursinho. Continuarão ensinando Alexandre Herculano, e referindo ao seu estilo como "solene". Mas acrescentarão nas apostilas os wunder, como os patriarcas de um novo gênero, o post. Serão também os arautos de um novo mundo, de uma exitência mais feliz e melhor, com menos rancor e mais amor.
sexta-feira, junho 25, 2004
O nome de Severino de Jesus pairou pela cidade como o maior defensor do bidê em solo brasileiro. Sua fama, que mais tarde viria a tomar proporções mundiais, teve início em meados de oitenta, quando ainda proclamava pelas ruas da cidade a utilidade do aparelho. E foi numa destas ruas que o encontrei, pela primeira vez, quando atravessava, após um árduo dia de trabalho, a praça quinze. Vi uma multidão disputando a ombros o melhor lugar para ver, lá na frente, um sujeito moreno, camisa social, o dedo erguido para o céu num gesto de eloqüência conscientemente contida. Versava o sobre bem viver.
“Meus amigos, o bidê não é objeto de luxo como pensam os comunistas. Nem um simples bem de consumo como qualquer outro, tal como pensam os capitalistas. Não, definitivamente não. O bidê é um objeto sublime. Vejamos o esplendor de suas curvas, o brilho fosco do azulejo bem temperado, seu contorno arrojado, sua cor marota. Mas acima de tudo, levemos em consideração sua utilidade prática.
A humanidade ficará eternamente agradecida pela inauguração de uma nova era em que o homem terá queimado o último papel higiênico. Sem dúvida, alguém que ama a si mesmo é alguém abomina o papel higiênico.
E não podia ser de outra maneira. O homem que do papel higiênico faz uso exclusivo é um ser atormentado. Se os grandes monstros da história desfrutassem do bidê a história seguiria por caminhos mais doces. Mussolini largaria tudo para se tornar pugilista. A Alemanha de Hitler seria hoje um jardim de variadas flores.
Mas o pior tipo, o ser mais raivoso, é aquele que, não bastasse o uso do papel higiênico, ainda usa o cor-de-rosa, aquela lixa desumana. Sinto asco só de pensar na imoralidade daquele objeto horrendo, que não absorve nada, e vêm traumatizando centenas de milhares de almas sensíveis. Não é concebível que o homem em sã consciência o use ao seu bel prazer. Só sob o jugo do opressor ou pelo descontrole da razão, um cidadão médio o tiraria da prateleira do supermercado para botá-lo no seu carrinho.
Com efeito, o papel higiênico é mais vezes utilizado como técnicas de auto-massacre. Tem-se notícia que, para se redimir de seus hediondos atos criminosos, Stalin usava-o freqüentemente em acampamentos na Sibéria. E a ciência nós diz que o uso do papel higiênico rosa em crianças vêm a contribuir para o homossexualismo futuro, bem como o uso dos papéis higiênicos aromáticos, com especial atenção aos de pêssego, morango e cereja.
Oh! Meus amigos, não sigam o torpe exemplo dos acadêmicos, que usam suas teses como produto de limpeza. Não! Deus quer bem daqueles que amam seu fiofó. Vejam por exemplo, Pardinho: nunca usou papel higiênico, mesmo no tempo que ainda era roceiro do triangulo mineiro. E eis o segredo da elegância e do bom humor desse ilustre homem: ninguém ama mais a vida do que o homem que faz bom uso do bidê.
Quantas horas de prazer e relaxamento a humanidade não teve em cima do bidê? Mas esse quadro vem mudando a cada dia que passa. Os grandes banqueiros mundiais, após Breton Woods, em sua temerosa tentativa de controlar o mundo, vem diminuindo em doses homeopáticas o valor do bidê na mídia e nas instituições globais. Ato espúrio que escandalizaria todo o séc. XIX. Nunca o bidê foi tão badalado quanto na “belle époque”.
Os argumentos não chegariam ao fim. Que seja gravado na superfície da lua: o homem sobre o bidê é um homem satisfeito. Para ele, a ambição do poder e o fogo da luxuria não lhe consome a mente. Está longe, tão longe do pecado quanto um condor em pleno vôo está dos seres rasteiros e vis que serpenteiam sorrateiros pela terra. A criatura sobre o bidê é quase divina: nela não se encontra nenhum mal. É pura bondade, é pureza, é perdão. Ninguém sente tão profundamente a alegria de viver. Esta em paz, como o Cristão exemplar.
E por que a humanidade tem desprezando o bidê? Simplesmente o bidê é uma ameaça ao status quo. Tentam tapar a boca ao bidê nos meios de comunicação devido à estrondosa revolução mundial que sua justa valorização acarretaria.”
Neste momento, o nosso grande orador faz uma longa pausa e, enchendo o pulmão de ar, como se juntasse forças para lançar ao mundo a idéia que viria a ser a ruína dos pilares da civilização ocidental:
“O bidê, portanto, é infalivelmente o novo substituto da cruz. Isto não implica, evidentemente, no desmerecimento nem do bem nem do Cristo. Pelo contrário, Cristo, sentado sobre o bidê deveria ser grande símbolo dos altares. Algumas gravuras teriam cristo conversando com seus apóstolos, todos eles também sentados em bidês. Teriam os olhos calmos e serenos, discorrendo, no frescor da inteligência, sobre unidade indivisível da santíssima trindade.
Certamente estou ciente de que o bidê, sendo uma invenção moderna, não pertence ao texto bíblico. O mais próximo que se pode chegar dele é o riachinho da aldeia, matéria prima de todo batizado: intuição genial que antevia, dois mil anos antes, a existência do bidê. O elemento que lhes dá união sob o signo da purificação não podia ser outro: a água.
Em nossa nova perspectiva cosmológica e moral, os dois grandes extremos metafísicos são, portanto, o bidê e o papel higiênico rosa. Lógico que refiro ao bidê ideal, tendo em vista a grande diferença de qualidade entre os bidês reais. Do mesmo modo como alguns ignorantes possuem coleções de livros como objeto de decoração, alguns sujeitos, querendo afetar bom gosto, instalam, em seus banheiros, lindos e pomposos bidês, com válvulas douradas e cordões reluzentes. Mas são logo desmascarados pela prática, ao experimentarmos o jato de água se projetar em cone, molhando toda a bunda sem molhar o essencial. Tive o horror de conhecer bidês cuja pressão da água era insuficiente mesmo para se fazer o digníssimo ato de lavar a bunda. A água apenas respingava, muito de leve, sem causar grandes efeitos que não fossem pequenas cócegas.
Não interessa se esses falsários são novos ricos ou não, o que interessa é que a instalação de um bidê não implica em sua utilização.
Nesse instante, os ouvintes estão estupefatos. Permanecem em silêncio durante certo tempo até que toma lugar um alvoroço de vozes. As pessoas na rua expõem suas dúvidas educadamente para seus companheiros, enquanto outros arriscam dirigir sua palavra ao mestre. Súbito, um homem gordo e de bigodes se lança sobre a multidão. Com voz poderosa apresenta o seguinte dilema:
“E quanto ao bidê de mão?”.
“Sim, o bidê de mão é constituído por aquela mangueirinha ao lado da privada, certo? Bom, a sua utilização é, de modo geral, mais desconfortável que o bidê normal, embora apresente algumas vantagens, como o direcionamento manual do jato d’água. Contudo o defeito reside no fato de que a força da pressão do jato d’água não poder ser regulada senão de forma tosca, através do afastamento manual da fonte de água, o que, convenhamos, é coisa mais de um troglodita que de um uma criatura delicada. Mas devo admitir que, embora represente um mal gosto, é perfeitamente aceitável alguém de saúde mental intacta preferir o jato de água manual ao clássico bidê”.
Um estudante de psicologia ali presente, depois de ter feitos comentários repletos de sorrisinhos irônicos para suas amigas, lança ao mestre esta pergunta, com ar de garoto inteligente e bacana da facú:
“Alguém que usa bidê com freqüência tem a propensão de se tornar homossexual?”.
“Não. Pelo contrário, o bidê alivia a tensão da alma e do corpo. E o homossexualismo nada mais é que um modo de aliviar estas perturbadoras tensões que nos afligem cotidianamente, como agulhas fincadas espinhas e nuvens negras ofuscando a clareza da alma. É, entretanto, o modo mais grosseiro, doloroso e desnecessário de se escapar ao mal.
Nesse momento o grande mestre, numa incontida exultação, começa a distribuir estas palavras:
Ah! O bidê é confortável! Refresca no verão e aquece no inverno! É por isso que o gay o é apenas porque o desconhece. Aliás, usa o bidê sim, mas o bidê errado, de forma errada, na hora errada. A base do erro é que tomam sua prática como meio, como instrumento, função, método, e nunca como fim em si mesmo. E ele se basta, eis o sentido mais pleno do bidê.
De fato, um dos preconceitos dolorosos do mundo hodierno, e que se faz passar desapercebido, diz respeito ao reducionismo do bidê às suas funções higiênicas. Este mal tem origem, sem dúvida, com o advento do racionalismo, corrente de pensamento que, por acreditar no poder ilimitado da razão, subordina o bidê a uma escala de valores na qual a privada sai triunfante, como a detentora de todos os louros. Não há idiotice maior que esta.
Por isso, na linguagem simbólica de Avanhandava a privada designa as forças racionais e civilizatórias. Enquanto que o bidê, em contrapartida, é o correlato da elegância.
A privada tem hora marcada pelo relógio da necessidade. O Bidê não. Por isso o bidê também é representativo do livre-arbítrio, da porção sublime do homem. Foi criado para ser usufruído a qualquer hora, bastando, para isso, querer. Existe algo mais gostoso do que acordar, escovar os dentes e ir logo para o verdadeiro trono? Atravessando, deste modo, com o barco do devaneio, o lago indiscernível cujas águas separa o sonho da realidade e a realidade do sonho? O bidê é o verdadeiro alimento da alma e seu principal meio de ascensão: não a música, não a dança, não a arte, mas o bidê, e tenho dito."
Na quinta feira assei um pacu de dois quilos e meio aqui na minha casa. Recheei a parte interna do peixe de farofa com couve. O pacu, o grande pacu, passou duas horas no fogo brando. É um peixe muito gorduroso, necessita tempo para ficar sequinho. E justamente por ser gorduroso que o pacu é conhecido, pelos meus amigos, como a picanha dos peixes. Se vocês estivessem aqui em casa, poderiam ter certeza: estava bom mesmo. O pacu, de fato, é muito saboroso, é um peixe de rio e tem as características típicas de um peixe de rio. Quem gosta de peixe de rio, do seu inconfundível sabor de barro, nunca nega um pacu. Entretanto, o sabor da costela do Pacu é mais suave que o sabor da cacunda.
Como tempero opcional, preparei um molho a base de shoyo e gengibre ralado, que você podia jogar por cima do peixe.
Não é necessário dizer que não faltaram as piadinhas: “Vamos comer o pacu do Pulmão”, etc.
Quando a assadeira aterrizou na mesa, todos salivaram. Estava lá o pacu, todo oferecido, com sua carne tenra. Depois do pessoal ter provado e aprovado vieram os elogios e as perguntas sobre a receita. Responder a essas perguntas é sempre divertido. No fundo é tudo muito simples, mas é quase uma ofensa dizer que é simples.
Disse, como quem compartilha um segredo, que tinha feito uma pesquisa nas peixarias de Ribeirão e que aquele Pacu, sem dúvida, era o melhor que eu havia encontrado, tinha vindo do Pará (isso é verdade). Nessa hora todos se impressionaram, ninguém esperava que alguém pudesse se preocupar da procedência do Pacu.
O pacu tinha dois quilos e meio, tamanho ideal para o Pacu (nunca compre um pacu com mais de três quilos, ou com menos de um quilo).
Depois disse que havia investigado o peixeiro sobre o processo de conservação do peixe. Disse com tamanha seriedade, que pareceu a todos a coisa mais óbvia do mundo esse cuidado. “A qualidade dos ingredientes é a alma da cozinha” – uma voz retumbou triunfante na mesa, para mostrar entendimento. Todos concordaram.
O que achei mais insólito, na verdade, foi o próprio peixeiro e sua figura. Era um tipo engraçado, parecia o Agostinho da grande família. Disse-me que seus peixes passavam por um tubo de congelamento que fazia com que o peixe, em meia hora, já estivesse congelado. Depois, falou mal das outras peixarias, sobretudo do Carrefour, em que se encontram aqueles peixes que ficam no gelo. Confidenciou-me, já com uma certa intimidade, que os peixes do Carrefour são de cativeiro, o pessoal usa hormônio, e ainda uma substância que espirram no peixe para conservá-lo. “Três dias no gelo, meu amigo, você acha que um peixe agüenta isso?” Já o seu peixe não, vinha do Pará. A certa altura, o peixeiro estava tão empolgado com seu próprio discurso, que começou a relatar a procedência de cada um de seus peixes, abrindo o freezer e me mostrando um por um. Piapara do Rio Grande, piraputanga de não sei da onde, corvina, filhote, tambacú, dourado.
Diante desta situação, senti uma fagulha de orgulho: o peixeiro tinha-me como um grande conhecedor de peixes. Então, ensaiei uma cara séria de entendido em peixes, ou pelo menos de um apaixonado pela pescaria, e comecei a gastar todo o meu conhecimento no assunto, arriscando palpites e comentários:
“Realmente, hoje em dia está difícil pescar no mato-grosso, a pesca predatória está acabando com os peixes da região. Há dez anos atrás, que beleza!”. (Depois fiquei preocupado, minha idade aparente não me permitia falar nem de sete anos atrás).
“Tem dourado aí? O dourado é um peixe delicioso, pescá-lo então é uma beleza! Ô peixe brigadô!”.
Depois, discutimos sobre a receita do caldo de piranha, e o problema dos espinhos. Mas para frente já compartilhamos daquele ar confidencial dos amigos de longa data ao discutirmos sobre a validade ou não do coentro na moqueca.
Mas não sei se era exatamente isso que eu queira falar, meu plano era falar sobre a arte de vender o peixe, uma das artes mais importantes de que tenho notícia.
quinta-feira, junho 17, 2004 A psicologia dos Pré-Socráticos
Uma pessoa que gosto muito disse-me que se eu continuasse escrevendo sobre certos assuntos eu acabaria tendo-me como único leitor.
É triste. Gostaria de ser muito popular, amado por todos. Gostaria que uma multidão de gente me esperasse no aeroporto, com faixas dizendo que amam e me adoram. Mas enquanto isso não chega, fico aqui, em casa, a pensar sobre a psicologia dos pré-socráticos.
Falar de Pré-Socrático está na lista negra, só me levará ao anonimato. Mas, de vez em quando, sou tomado por forças estóicas a seguir o caminho da verdade, e devo admitir que praticamente desconsidero todo conhecimento filosófico de Sócrates para frente, incluindo Nietzsche.
Não é à toa que gosto tanto, estudei muito para chegar aos pré-socráticos e perceber o tanto que é verdadeira, por exemplo, a seguinte afirmação, de Heráclito:
"É prazer para as almas tornarem-se úmidas."
ou:
"A alma mais seca é mais sábia a melhor."
Não há relativismos. É de uma estarrecedora pontualidade e exatidão. Não entendo porque a FUVEST não apresenta perguntas como a seguir:
1) Qual alma é mais sábia e melhor?
a) a úmida.
b) a seca.
c) a que segue o imperativo categórico.
d) alma não existe, portanto, a pergunta não faz sentido.
e) nenhuma das anteriores.
Não devemos esquecer que é grande prazer para as almas se tornarem úmidas, o que revela que Heráclito já sabia que o caminho do simples prazer não é o melhor.
Provas:
"Na hora do prazer a gente sente a alma umidecer, e sentir a alma umidecer é gostoso, realmente. Mas logo depois dá um grande mal estar, o que os vulgos chamam de ressaca. É dificílimo secá-la novamente. Sei de um padeiro que teve sua alma tão umidecida numa noite de Carnaval, que precisou passar toda a quaresma, a água e pão, para secá-la novamente."
Juremar.
Nelson Rodrigues constata que nada como o prazer do sexo para se gerar o canalha.
E se isso não convence lembro que em The Waste Land, de T.S. Eliot, os títulos da terceira e da quarta parte do poema são, respectivamente:
"O sermão de fogo" (alusão à Heráclito: tudo é fogo).
"Morte pela água" ( o hedonismo absoluto, típico daquelas pessoas que buscam viver o hoje como se fosse o último dia, se eu vivesse assim, com certeza já estaria morto há muito tempo).
Sempre me comoverá a imagem de uma menina com vestidinho de chita de mãos dadas com um menino que acha feio amar.
Escrevo isso porque mudei o servidor da caixa de comentários.
2:46 AM
Antes, uma a cada três mulheres era viúva-moça
Gosto de pensar em certas imagens que às vezes encontro pela vida. Tem uma que gosto muito, embora consciente que ela não reverbere na alma de um homem moderno, como hei de explicar mais adiante. Refiro-me a seguinte imagem ou cena: uma mulher dançando um samba fervoroso sobre a tumba de seu finado marido.
É, sem dúvida, uma imagem forte. Nem é necessário sabermos se ela está feliz ou triste, nem o motivo porque dança. Você entra no cemitério, vai até o túmulo do morto no qual quer prestar homenagem com suas lágrimas e encontra, no túmulo ao lado, uma mulher dançando um samba fervoroso sobre o túmulo de seu finado marido, desprezando ou ignorando sua presença. É uma cena em tanto.
Sinto nesta cena o cheiro do passado, um vago odor de naftalina. Evoca um tempo em que Tancredo Neves ainda era criança e jogava peão com Raul Pompéia no Ateneu. Era um tempo muito diferente do nosso, um tempo em que se econtrava pelas ruas a chamadas “viúvas moças”. Todo mundo que leu um pouco de Machado de Assis sabe que em sua época uma cada três mulheres eram viúvas moças.
Hoje em dia a viúva moça está, digamos, tão extinta quanto o panda ou um macaco-aranha, para a infelicidade dos mancebos em geral. Repito: para e infelicidade dos homens. Nenhuma mulher tão interessante quanto a viúva moça. O olhar esquivo e seguro. Suas magníficas espáduas, sua tez áurea como o marfim, a gentileza do busto, e ainda, a herança do marido.
Mas não é só. A viúva moça, meus amigos, tem algo de fatal. Algo de deliciosamente perigoso. A sombra do defunto sempre segue seus passos, imprimindo-lhe uma aura de tragédia que a acompanha sempre e sempre a acompanhará, como uma ferida aberta que jamais cicatrizará. Sua postura imponente exala um ar de quem nunca mais amará a ninguém, embora o fogo da volúpia e do desejo, ainda arda em seu coração de moça, e a faça, vez por outra, cometer loucuras.
Oh! Quantos gatunos de carteirinha já não perderam a cabeça por uma viúva moça! Nos bailes dúzias de vítimas ressentidas fitando seu decote. E ela, desimpedida, rica, luminosa, valsando com um lindo mancebo, como se fosse a rainha de antigas Franças. Ninguém é tão livre quanto ela.
Bom, lembro que uma tia minha foi uma viúva moça, chamava-se Ana. Seu marido morreu pouco tempo depois do casamento, deixando como herança apenas um vazio no peito e uma tristeza que perdurou durante anos. Morreu de cirrose o homem, ou foi pancreatíte? Não importa, foi o álcool mesmo. Poucas lembranças tenho dele, mas são boas. Levava eu e meus primos para pescarmos e nadarmos no Lago Azul, um clube cuja atração era um lago, aliás, a única atração. O clube era o lago. Mas naquela época nós não precisávamos mais do que um lago para ser feliz. Um lago, uma vara de bambu, e a alegria de sentir a fisgada de algum lambari.
E assim minha tia encontrou-se só, numa enorme casa. A casa tinha um um vasto quintal, com uma piscina, um limoeiro, e uma parte coberta. Passados alguns anos a casa da minha tia “viúva moça” ficou conhecida na cidade pelo furor e despudor de suas festas. Nós achávamos nossa tia meio loucona mesmo, de uma animação sem igual.
Certa vez, meu primo, tentando se vingar de seu irmão mais velho, dedurou-o para sua mãe, como um pequeno Cain:-“O Júlio tem revistas pornográficas.” Nisso, minha tia Ana, que estava por perto, antecipando a reação de minha outra tia, disse: “Hum! Que gostoso! Quero ver!” Assumiu nesse dia, para o espanto de todos, que gostava de homem, no sentido carnal da coisa. Eu e meu primo ficamos chocados com minha tia, com seu despudor, com sua inclinação ao pecado.
Tia Ana foi uma das mulheres mais livres de Penápolis na década de oitenta e começo de noventa. Nem preciso fechar os olhos para lembrar-me do seu riso, aliás, da sua gargalhada irreverente e contagiante. Talvez seja exagero, mas ela é uma das poucas pessoas a que verdadeiramente posso chamar de irreverente.
Tão extinto quanto as viúvas moças estão os irreverentes. Em toda a minha vida conheci, no máximo, umas três pessoas irreverentes, todos com mais de cinquenta. Não tenho nenhum amigo irreverente, nenhum colega irreverente, ninguém. O que se tem hoje é gente podre, gente descarada, sem vergonha na cara. Muito diferente de ser irreverente.
O crítico acredita que o que é mais importante para si o é também para autor da obra que ele examina. Parte da noção de que ele sabe o que é mais importante e que o autor, sendo tão inteligente como ele, obviamente compartilha da certeza de sua opinião.
Assim, os sociólogos encontram, ao analisarem Machado de Assis, somente denúncias sociais. Os psicanalistas, por seu turno, quando lêem sua obra, encontram somente gays, edípicos, histéricas e outras figurinhas.
Outros, como tive o horror de conhecer recentemente, buscam em seus romances e contos a má colocação do pronome oblíquo, para, deste modo, provar que Machado não é tão bom assim.
E com isso provam, única e exclusivamente, que são uns patetas. Assemelhando-se a alguém que se propõe medir o do outro para provar publicamente, com sorrisos de triunfo, que não era tão grande assim, tinha vinte e três ou vinte e dois centímetros.
Existe, aliás, uma manada galopante que, quando abre o focinho, é para tentar provar que fulano, beltrano, ou siclano de tal, não têm 25 centímetros. Já alguns animais mais delicados ganham a vida para dar a ilusão dos vinte e cinco centímetros. É o caso dos publicitários, sem exceção.
Atribuem vinte e cinco centímetros a tudo, desde que pagos para isso. São a encarnação viva de Satã. São piores que os advogados de Paulo Maluf, bem piores, e queimarão no inferno.
Os novos conhecimentos, quando filosóficos, geram novas perguntas; quando científicos, novos experimentos. E os novos conhecimentos assim obtidos, novos conhecimentos; e os experimentos, novos experimentos. Terá um limite?
Embora alguns cientístas debatam sobre o fim da física, a verdade é que ela nunca parou de se desenvolver, nem parará. O corpo do conhecimento assemelha-se a de um ser vivo, está continuamente em processo, em estado de transformação.
A vida é tranquila para quem aceita, de bom coração, a morte.
1:28 AM
quinta-feira, junho 10, 2004 Supra-sensível
- Estou já faz um mês rodeado por duzentos fantasmas.
- Isso realmente não é bom.
- Se fosse para escolher, preferiria ter menos fantasmas, duzentos é muito. Não dá para aguentar.
- Mas são duzentos exatos.
- Não exatamente, é muito difícil contar, mas digo que é cerca de duzentos.
- Bastante mesmo hein!
- É, meu amigo, é muito. Incomoda a beça. Ontem mesmo, eu ia entrando no banheiro e não é que encontro um fantasma usando a privada.
- Que horror!
- Isso é de menos. Ele era a cara do Tony Ramos. Encontrei ele outras vezes já, a vantagem é que não fala muito. Mas é duro ficar aguentando o Tony Ramos te seguir.
- Foda mesmo.
- Tem outro fantasma, que talvez seja o pior de todos, do Sérgio Malandro. É horrível! Outro dia estava futricando com uma mulher e ele chega, fazendo gestos obscenos com mão. Outra vez, pouco antes de dormir, fez um escarcéu lascado, ele e as malandrinas começaram a encenar um bumba meu boi no quarto, coisa de dar medo. Outra vez apareceram de madrugada dançando tchã tchã e acendendo pirilampos numa espírita.
- Meu Deus!
- O pior é que o fantasma de Sócrates, aproveitando o embalo da farra, vinha encoxando uma das malandrinhas, num gesto inconcebível para um filósofo da sua altura.
- Vai ver ele mudou de idéia depois morreu, resolveu dar mais importância aos prazeres do corpo.
- Realmente, deve ser isso. Sócrates mesmo veio me dizer, certa vez, que era assíduo frequentador dos bailes funks e grande admirador do Serginho. Tenteu sustentar que muito melhor que sua célebre frase: "Sei que nada sei", muito mais genial é "Abre a boca, não se espanta, vou (censurado) na sua garganta."
- Meu Deus! Às pessoas mudam mesmo.
- Sim. Diógenes, o cão, hoje em dia tem o apelido de "fofinho", toma no mínimo dois banhos por dia, e dá escândalo quando fica sem condicionador.
- Esse mundo dá vorta mesmo né cumpade.
- Opa!
Um fragmento de "The second coming" de Yeats, poema que alude ao fim do segundo milênio. Duas grandes-guerras, terrorismo, pós-modernismo, fanatismo religioso, ateísmo disfarçado ( a maioria dos religiosos não passam de ateus disfarçados).
"The best lack all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity."
Pode-se dizer que o eterno mistério do mundo é sua compreensibilidade
Lógico que a compreensibilidade tem seus limites, a razão não pode ditar uma moral necessária. O bom senso sim. Uma moral pode ser insensata e racional ao mesmo tempo, mas será uma moral intelectual. A verdadeira moral é essa que vivemos, assemelha-se mais a um campo de sentido do que um campo de palavras. No fim do século XIX alguns cavalheiros davam o cu por pura educação e, terminado o ato, discutiam soluções para as antinomias kantianas. Deus, a alma, a extensão do universo, além de outras sete. Prova-se que o universo é infinito e finito. Toda proposição puramente metafísica são tautologias ou contradições.
Falemos do mundo, das pessoas, das cores, das impressões, da velocidade da pincelada, do ritmo, no contorno do horizonte, falemos do mundo, deste mundo, tão usado, em que vivemos. Deus é questão de fé. “A crença ilógica na ocorrência do improvável”. Mas que existe, existe, não me pergunte porquê nem como, senão eu fico nervoso, começo a babar, giro os olhos e termino por pancadas na mesa e tacando o abajur contra a parede.
"Aquilo que é oposição se concilia, das coisas diferentes nasce a mais bela harmonia e tudo se gera por meio de contrastes.(...) Eles(os ignorantes)não compreendem que aquilo que é diferente concorda cosigo mesmo; é a harmonia dos contrários, como a harmonia do arco e da lira".
Se a única cor fosse o amarelo, o amarelo não existiria.
Se o som fosse uníco, o som não existiria.
Se não existisse luz não existira as trevas.
A doença, a saúde.
Se não fosse a frustração, a "eu" não se formaria.
Se não existisse o velho, o novo não existiria.
Tem-se, portanto, que a harmonia é a unidade dos opostos. O princípio organizador da realidade é o mesmo princípio organizador da mente.
Quando ela me anunciou sem frescura na voz que qualquer recorte da realidade quando bem percebido e bem analisado pode ser bem envolvente e intrigante, fiquei espantado e tive vontade de tal idéia fustigar.
Suponho que meu espanto não seja nem à toa nem apenas por mim compartilhado. Vejamos: uma caneta. Ah! Quantos pressupostos! Quantas implicações estão contidas numa simples caneta! Quantas as condições são necessárias para a sua existência! O cálculo nunca chegaria a um fim. Economia. Petróleo. Plástico. Consistência da matéria. Existência do papel (afinal para que a caneta sem o papel). Quer dizer: a caneta traz em seu interior o mistério do mundo, assim como a mulher traz ao mundo o mistério do amor.
Satisfeito com a precisão do pensamento de minha amiga, confessei-lhe que eu a amava e que, com ela, um filho queria ter. Ela, por sua vez, sorriu um riso monalísico, deu-me um beijo a um canto da boca e se retirou de mansinho, dispersando até se tornar borrão. Mas ainda ficou no ar um pouco de seu perfume.
O grande Petronas, numa analise sócio-econômica das mais brilhantes, usa, como termômetro de desenvolvimento de um país, a quantidade de Jorginhos Guinle nele encontrado. Seu argumento, de uma solidez inabalável, mantém-se imune aos ácidos das mais terríveis dialéticas.
Se todo empresário usar seu lucro apenas para gastar e não para reinvestir, sua empresa não cresce. Se todos os empresários agissem de tal maneira, uma expansão do setor produtivo se tornaria inviável. Nesta sociedade o único resultado de qualquer política de fomento econômico seria a inflação.
A voz de Petronas, grande centro de reverberação, faz tremer as rijas pilastras universitárias, fato esse no mínimo notável, se levarmos em conta a surdez dos doutores e pós-doutores, causada por chumaços de pelos que saem de dentro dos ouvidos. Felizmente, até agora, a verdade vem se impondo. Já não é incomum escutar nos corredores de uma faculdade de economia a sigla I.J.G.D (Índice Jorginho Guinle de desenvolvimento).
As últimas pesquisas, por exemplo, apontam para uma proporção I.J.G.D de um para dois entre Brasil e Malásia. O índice tornou-se tão útil e revelador que já se cogita, inclusive, a possibilidade de um novo índice, o P.J.G (potencial Jorginho Guinle), ilustrado da seguinte forma.
Os últimos levantamentos do I.B.G.E. apontam para o curioso fato de que uma grande parcela da população brasileira não herda grandes fortunas. Mas, caso herdasse, o que faria com o dinheiro? Aqui que entra o potencial Jorginho Guinle (P.J.G). O do Brasil, não precisa falar, é altíssimo, um dos mais altos do mundo: noventa e dois por cento dos brasileiros, diante de uma vasta herança, agiriam da mesma forma que o Jorginho. Seis por cento dos entrevistados se mostraram indecisos quanto à atitude, ou se negaram a responder. Só dois por cento afirmaram que reinvestiriam uma parcela do dinheiro em atividades produtivas.
Esperamos que Petronas venha a dar mais contribuições para o desenvolvimento do pensamento ocidental. A sociedade acadêmica espera seu atestado, para saber se o P.J.G. é válido ou ainda necessita de reparos metodológicos.
Os bons blogs são compostos por uma mistura de inteligência, humor e vaidade.
Humor compreendido segundo a doutrina de Hipócrates.
E vaidade sendo compreendida ao estilo dos analistas morais do séc.XVII, diferenciando-se, portanto, do sentido vulgar do termo. Não remete à noção de abdômen quadriculado, nem implica no uso de roupitcha de grife.
"Mulher feia é igual pantufa, em casa é gostosinho, mas quando sai na rua dá uma vergonha!"
A frase é interessante e reveladora.
Em primeiro lugar, diz que a beleza de uma mulher só é importante quando você sai na rua com ela. É por isso que é muito raro encontrar um homem com uma mulher feia na rua, tão raro quanto encontrar alguém de pantufa.
Em sugundo lugar, é possível deduzir que, assim como as pantufas, as mulheres feias vivem pegando no pé (dedução facíl, de trocadilho evidente, evidemente besta).
Uma mulher feia pode argumentar que não necessita de homem na rua, na medida em que, na rua, não é usual foder. Erro na argumentação: não é correto pensar que mulher feia só pensa em foder, mulher feia também gosta de carinho.
É também possível deduzir da frase, tomando-a como premissa, que a mulher feia é sim capaz de despertar o desejo sexual, desde que ela esteja nua ou semi-nua, e co-habitando o mesmo espaço que o homem, ou melhor, o mesmo aposento.
É a famosa "Lei dos trinta centímetros", estabelecida pela primeira vez no ano de 2001 D.C, por Ciro (1978-). Este grande pensador teve o lampejo da idéia após ser trancafiado num quarto com uma mulher de dezoito aninhos, rostinho bonito, um metro e sententa e cem quilos. São suas palavras:
"Minha primeira reação foi tentar ir embora, mas as amigas da república haviam nos trancado no apartamento. Então ela deitou-se na cama e começou a mostrar aquele vasto pernil. Aquilo tudo começou a me parecer interessante, achei, à princípio, que era a maneira como a luz refletia nas suas coxas, ou o simples fato dela usar saias curtas. Aproximei-me e percebi que, passado a barreira dos trinta centímetros, toda mulher é a mesma."
A quantos é dada a possibilidade de Santo Agostinho? A de afirmar, em coros ditirâmbicos, a morte de Deus. “Deus está morto” conclui ele numa escura, tediosa noite de solidão absoluta. Não constitui um ato de coragem, nem de revolta, também não o faz porque é chique, mas simplesmente porque a negação racional de Deus habita o reino da evidência. A razão, lúcida de si mesma, cala-se diante de Deus.
Depois de anos de meditação angustiada, Santo tem subitamente um relâmpago lógico. Clarão de certeza que ilumina as estruturas do mundo e o destino nada animador da alma. Deus está fora. E é um matemático que está falando, é um cientista, um homem que, quando pensa, põe, com delicadeza e elegância, seu sentimento de lado. Ele induz, deduz e prova. Seu sentimento serve-lhe, apenas, na escolha dos objetos de que irá tratar. Santo é uma imensa máquina trituradora a devastar as florestas da ignorância.
Seu pensamento, vivendo em rigoroso regime de honestidade, não concede ao Absoluto o status nem de certo, nem de provável, nem mesmo de possível, mas de absolutamente errado. Errado, mas não necessariamente descartável.
Errado mas não necessariamente descartável
Seria correto, portanto, supor que Santo Agostinho seja favorável à utopia atéia? Não resta dúvida, caso contrário seria necessário rotular o pensador como mais uma destas bestas irracionalistas, o que é risível.
Existem, contudo, diferentes sociedades de ateus. Uma sociedade em que seus membros ainda se lembram do conceito de Deus, separa-se, por um abismo, de uma que Seu nome esteja banido do espírito humano.
Estaria morto o último homem que conhecia o conceito de Deus. Todas as pessoas veriam na morte simplesmente o fim. Deus seria apenas um conceito potencial, hibernando nas estantes empoeiradas de bibliotecas ancestrais. Conceito que seviria somente ao estômago de traças e cupins.
Em resumo: duas sociedades são possíveis.
1) Uma que não acredita, mas ainda se lembra de Deus.
2) Uma na qual ninguém mais se lembra de Deus.
Qual das duas seria ele a favor?
Acredito que, por mais contra-senso que isto possa parecer, Santo seja a favor do primeiro tipo de sociedade: uma em que a memória de Deus esteja presente.
Em tal sociedade, a Bíblia seria ensinada nas escolas como mitologia, ao lado de outras mitologias. Aquela parte da Bíblia em que é dado ao jumento o dom da fala seria vista mais como episódio de humor, que educacinal. Mas são especulações. Afinal, todos sabem: “Quem na boca dos outros põe palavras, acaba levando um soco na sua”.
O que me provoca tremores nervosos é o fato da desputatio dos escolásticos, estar fora de moda. Co efeito, o rebanho intelectual brasileiro vem debatendo cada vez mais o papel da moda na filosofia. Junqueira de Abreu (1999), por exemplo, sobre o assunto:
“No final do séc. XIX, filosofia se desdobrou sobre a física, absorvendo seu método, seu rigor, foi o triunfo do positivismo e a derrocada de dimensões irredutíveis da primeira pessoa. Ora, o séc. XX, marcado por uma diversidade de estruturas conceituais aponta para uma nova perspectiva sobre o saber. A filosofia, agora, se desdobra sobre a moda. O valor da verdade é substituído, por conseguinte, por conceitos estéticos, sobretudo a moda, ícone máximo simultaneamente do capitalismo e da democracia, “a sociedade dos amigos, incluindo aí toda a sorte de preferência sexual”, vem a ser o novo paradigma da nossa civilização. ” (p.856)
A desputatio é um jogo de xadrez dos oponentes, porém no campo da argumentação. É a discussão altamente formalizada, o raciocínio se movimentando dentro de certas regras pré-estabelecidas, sem as quais o deslize em direção à obscuridade seria inevitável. Os homens da desputatio não se perdem em detalhes irrelevantes, detalhes cujo único valor não é outro que o entretenimento.
Pergunta-se quantas pessoas atualmente são capazes de clareza conceitual. Poucos. E de patifaria intelectual? Um número ainda mais reduzido, quase ínfimo, posto que o patife intelectual, por definição, está ciente de sua patifaria, enquanto na maioria dos casos a burrice é sincera.
É um número reduzido de pessoas que têm a doença do pensamento, a obsessão pela ordem. São espíritos robustos que, com o caduceu de ouro, travam uma guerra contra o exército do caos, como Olavo de Carvalho.
Sem dúvida a busca da verdade é impossível sem uma postura ética, e também corporal (o nariz apontado para frente). Os olhos penetrantes do filósofo sempre vislumbram a verdade, e geralmente a verdade está abraçando, como uma serpente, o sentido último da existência. Os indivíduos que acreditam no sentido último da existência são os justos, os retos. O filósofo precisa de Deus, como entidade metafísica máxima, o bã bã bã. Santo Ancelmo provou a existência de Deus. O anticristo kantiano fez questão de obscurecer a sua prova.
O vôo do pássaro é um mergulhar do peixe no azul. Não há cebolas. O ar, infinito catarro, senta na montanha esperando a aurora dos mundos.
Cores líquidas fazendo pluf. Milhares de estrelas sorrindo. Trilhões de estrelas emanando luz. E o universo sendo entendido como matriz.
E o universo sendo espremido, reduzido a todo tipo de sistema. A crença básica da sistematização do universo.
Pare. Olhe atrás da parede. Há um palhaço a sorrir. Ele está agachado e tem os dentes podres. Segura um cotonete nas mãos. Mantém os olhos apertados. E só canta opa opa. O pior é que usa batom esparramado em forma de elipse em volta da bocarra. Aquele batom vermelho que só o Diabo gosta. Aquela coisa feia com nariz de palhaço e peruca com careca forçada. O mais estúpido e vil de todos os palhaços. O palhaço cansado, com pôneis lambendo-lhes a cara. O palhaço não percebe que há muitas formigas por toda à parte. Ele está atrás do sítio, ele está atrás do muro. Ele está imoral, inaceitável e inegavelmente vivo.
quinta-feira, maio 27, 2004
Estou cansado de ouvir iconoclastas afirmarem que tudo é uma grande piada.
10:12 PM
Não há pipoqueiros com menos de sessenta anos
Torrinha, 2004. Corpus Cristi. Na frente da Igreja matriz, um pipoqueiro rechonchudo, de nariz de bolacha. Poc. Poc. Dentro de seu carrinho, nos compartimentos de vidro, de lado pipoca salgada, do outro pipoca doce cor-de-rosa.
Neste dia a missa era diferente. Começava do lado de fora e só depois ia para o lado de dentro da Igreja. A comunidade católica estava toda ali. Eram homens sérios, de trajes sóbrios, camisa para dentro da calça. A maior parte das mulheres tinham o cabelo preso com grampos. A comunidade se distribuía em torno de um centro vazio, ocupado apenas pelo padre, por seus apetrechos, e alguns coroinhas.
Reinava por entre os homens um silêncio profundo, só algumas vezes interrompido por algum automóvel que passava. Um ar carregado, quase parado, congelava o tempo, abrindo novas dimensões do ser. Mesmo as crianças falavam baixinho, pressentido no romper do silêncio um crime grave. Um Deus fora torturado.
Por cima da noite uma enorme lua.
A Igreja se separa da praça por uma rua. Do outro lado da rua, sentado no banco da praça, uma turma de adolescentes. Destaca-se uma menina de olhos brilhantes e calças rasgadas. Eles assistiam em silêncio as pessoas em silêncio, sentados no encosto de um dos bancos da praça, ninguém comentava.
Súbito, chega um casal. Estavam atrasados. Um homem magro, paletó apertado, peito estufado com dignidade. Seus braços enlaçavam sua mulher na altura do pescoço. Usava bigode. Ela tinha os olhos negros como a noite, o pescoço fino, e um ar de quem sabe respeitar.
Nem toda a cidade participava do ritual. Descendo alguns passos, já era possível sentar em umas das mesas da lanchonete. Homens de bem a freqüentavam. Mas, por ora, as mesas estavam ocupadas por aqueles que não vão à missa: três turistas, quatro gays, sete drogados, e mais uma dúzia de jovens.
Habitualmente, o movimento do recinto aumentava depois da missa. As famílias se reuniam ali para apreciar o sabor do sanduíche, enquanto os pais contavam anedotas para seus filhos.
Quando criança, sorveteria com meu pai, aos domingos. Sempre pedia banana-split e minha irmã colegial. Em uma dessas ocasiões meu pai me contou como era Corpus Cristi na sua cidade natal. Uma cidade mineira cravada entre as montanhas e as nuvens.
A Sexta-Feira da Paixão era um dia muito triste, o mais triste dos dias. Não havia sorrisos. Extremo mal-gosto demonstrar qualquer forma de felicidade. Hoje as cidades não sabem mais o que é isso, não sabem sequer distinguir o bem do mal. Torrinha é uma ilha boiando num mar de pecados. É nova Arca de Noé. Em Torrinha, todo ovo de páscoa é de chocolate meio amargo.
Lá está o grupo de fiéis. As pessoas que estão mais próximas ao padre são as mais crentes, tiverem que chegar meia hora antes para ocupar o lugar privilegiado. Os que estão mais ao fundo, na parte mais exterior do círculo, enxergam com dificuldade. Ficam nas pontas dos pés e esticam os pescoços na tentativa de acompanhar, sobre a barreira de cabeças, o ritual que o padre conduz. Um pouco mais atrás está o pipoqueiro. Tem mais de sessenta e é o único alí presente que está sentado.
Melhor seria que estivesse em pé. Cautela, não se deve negar-lhe o direito de estar sentado - o carrinho de pipoca estava ali desde as cinco da tarde, muito antes de tudo começar. Estava a trabalho, não era seu dia de folga.
Mais precisamente tem sessenta e três anos de idade. Com vinte anos de idade vendia pipoca com o carrinho de seu pai. Aos vinte e sete abraçou a profissão. De lá para cá passou por tudo. O mais difícil foi perceber que sua profissão, durante todos esse anos, apenas decaiu. Cada vez entra menos dinheiro. Dez anos atrás, numa noite de domingo chuvosa, vendeu apenas dois saquinhos. Neste dia pensou em parar de uma vez, abandonar o carrinho. Mas olhou para a Igreja, para a praça, já não podia parar. Precisava de dinheiro, ainda que fosse pouco. E não sabia fazer outra coisa.
Dos outros pipoqueiros restaram apenas os ossos. E epitáfios sinistros no cemitério.
Existe uma filosofia verdadeira? Se alguém souber da existência de uma, peço que me façam o favor de me avisar. Ficarei imensamente grato. Prometo até uma recompensa de 150 reais se me enviarem pelo correio. Mas eu quero recibo, e garantia de dez anos de validade. Se for alguém do interior paulista dispenso a garantia, peço apenas a “palavra de homem”.
Espero um dia receber uma correspondência. Um livro da Filosofia Verdadeira.
segunda-feira, maio 24, 2004 Comendo macarrão sem sujar o bigode
Se os livros de Nietzsche fossem devidamente classificados, auto-ajuda seria o melhor rótulo. "Como perder o rancor em duas semanas". "Como se tornar um ultramundano sem doer".
O objetivo secreto da filosofia, desde Anaxágoras, não é outro. O que todo filósofo esconde é que uma filosofia é um palavrório razoavelmente organizado, que serve apenas para sustentar a moral que interessa ao dono do sistema. Ficam de fora os pré-socráticos, os verdadeiros filósofos.
segunda-feira, maio 17, 2004 Meu corpo é brasileiro
Não conheço nenhum país melhor que o Brasil para se viver. Já fui para a Bolívia, Peru, Paraguai. O Brasil é melhor. No trem da morte, na porta de saída entre um vagão e outro, estava eu sentado, conversando com um boliviano. Ele me tratava como se eu fosse um brasileiro. Elogiava o Brasil, contava-me coisas maravilhosas sobre este grande país. A industrialização, o emprego, São Paulo.
"O Brasil é o maior país do mundo." Escutei com espanto. Tive o impulso de corregi-lo: China, Rússia. Acabei concordando. O Brasil existe. O Brasil tem Bauru. Por fim, meu amigo boliviano disse, com orgulho, que já havia trabalhado neste nosso país.
Às vezes o trem passava por uma vilinha, no meio do pantanal Boliviano, ou melhor, no meio do nada. A vila parava para ver o trem passar, sem euforia nem alegria.
É difícil saber se caso eu morasse em um país mais rico, minha vida seria melhor. Uma pessoa que tem saúde, ócio, música, mulher, amor, doçura, cerveja, empregada e piscina, deve tomar cuidado antes de reclamar, muito cuidado. Um trovão pode rolar no horizonte e te destruir na madrugada.
terça-feira, maio 04, 2004 Poucos são os blogs românticos
Como passo por um idílio amoroso, busco blogs românticos que sirvam de tonificante ao meu sentimento tão radioso. Só vejo blogs dando esporro, ou, quando muito, ridicularizando noventa por cento do mundo.
Foi no samba das décadas de trinta, quarenta e cinquenta, na época que o samba ainda era o autêntico samba de terreiro, que encontrei a música que buscava. Aliás, o samba é mais que uma música, é um estado de espírito, quase impenetrável, ao menos para nós, europeus. Quantos aqui, fora o pig, sabem sambar?
Certo é o que humor é irredutável. A única pessoa que ouvi dizer que peitou o humor foi meu bisavô, que achava rir um sinal de falta de caráter, de uma moralidade fraca. Ai de quem risse perto de meu bisavô! Ele tremia de raiva, babava. Seus filhos não riam, eram homens sérios, amargos, culpados.
Prefiro o samba, bolo com cobertura de chocolate, e sexo selvagem e romantismo.
Você fala demais – disse ela com um sorriso malicioso.
Ele pensava em outra coisa. Sempre pensava em outra coisa. Tinha os ombros duros e um ar preocupado, mas uma preocupação nobre. Sorria em raras ocasiões.
- Penso demais porque não posso fazer outra coisa.
- Escute a música. No coração da chama o silêncio.
- O quê?
Ao longo da minha vida, pouquíssimos foram os livros nos quais cheguei à última página, uns quatro no máximo. Não sei o que acontece ao certo. Às vez o livro chega a me empolgar, fico curioso para saber o que vai acontecer, mas é tarde, tenho sono, deixo ao canto da mesa e sei lá porque, três meses depois vejo o livro, em cima da mesa, acenando para mim, lembro-me que não cheguei ao fim.
Li a primeira metade de Memórias Póstumas. Seis anos depois resolvi reler o livro, parei na metade. Alguns anos depois consegui terminar o livro. O último cápitulo é um dos melhores últimos capítulos entre os quatro últimos capítulos que já li.
Irmãos Karamazov é um dos poucos livros que terminei. O livro é grande demais para não ser terminado. Além diso tem o fato que quando eu não termino o livro, tenho a sensação de que ele me promete algo, como se o livro olhasse para mim, e ser olhado por aquela russaiada (mistura de mexicano com alemão) tiraria-me o sono.
Sim. Tem gente que insiste escrever em um tempo onde não já não há leitores. E tem gente capaz olhar de uma maneira diferente a este mundo em que vivemos, e, sem alarde, contar a velha estória de uma maneira diferente, hips de metrô, chocolates no quintal, pique-pega escola, video-game, deus-barbie.
Falar de coisas que viveu, porque essas são as coisas que mais conhece. Há escritores capazes de amar suas personagens. Machado de Assis não amava suas personagens.
Aliás, o Jardim dos Rinocerontes está bem bom, me diverti um bocado. Agradeço pelos livros.
2:06 AM
Ainda temos quem nos quer contar a estória de uma forma diferente. E conta. Nossos ouvidos estão atentos. Temos a barriga cheia e a tranquilidade nos ombros. Vivemos no séc XXI, não adianta fugir.
Hoje é fato, não faz metafísica com fome. É necessário conforto. Come-se alguma coisa, um cachorro quente até.
Mrs. Sosostriris, famosa clarividente, é sabido ser a mulher mais inteligente da Europa, com seu maldito maço de cartas.
Pouco mais de cem anos atrás havia a escravidão. Chicoteavam negros fujões para que eles aprendessem seu verdadeiro lugar.
Chicotear um cavalo até fazer o sangue vazar pelo seu coro já é algo terrível de se pensar. Dá Dó. Mas ver um preto, no tronco, se contorcer de dor, talvez fosse até motivo de prazer para uns. "Preto fujão, filha da puta, toma uma lição para que você aprenda a se comportar. Se você soubesse o tanto que eu trabalhei para conseguir lhe comprar, você não fugiria." E toma chicotada.
Óbvio que não é certo fazer isso.
O que me pergunto, porém, é o seguinte: "Onde está a empatia?"
Sentiriam os dominantes naquele tempo, de modo geral, mais dó do cavalo do que do preto?
Vi um documentário sobre Polpot, no Comboja. Um quarto da população foi torturada. Horrivelmente torturada, coisas de dar ânsia de vômito. Um homem se dizia arrependido de gritar junto a multidão "morra, morra" para uma mulher jovem que havia se unido a um homem sem o consentimento do Estado.
Hoje, passado muitos anos, ele não consegue entender porque fez aquilo. Lembra-se do passado como alguém que se lembra de um pesadelo. E só. "É que eu estava ali no meio, sei lá."
quinta-feira, abril 15, 2004
Eu, autor e inventor do Pulmão, espécie de Deus envergonhado de sua criatura, feita a minha imagem e semelhança( sim, estou ciente que esse estilo de confusão não tem a menor originalidade e muito menos graça), não conseguiu deixar de imaginar como seria sua imagem se ele existisse no mundo.
Que mentira é essa! Esse post logo abaixo! Cheguei. Estou de volta. E cheguei com tudo, soltando, da garupa, rojões miraculosos, rojões que lançam aos céus magníficos cus, que explodem em sete mil cores, trazendo os setecentos mil amores...basta! A verdade é que aquele que me escreve (Peres) provavelmente me considere meio podre.
Faz tempo que não escrevo neste blog. Mas neste tempo não deixei de freqüentar a oficina do diabo, de onde fabriquei muitas idéias. Uma delas, talvez a mais importante, é uma espécie de um mandamento. Evitar ao máximo o uso da primeira pessoa. Os inúmeros desdobramentos deste preceito estendem-se a toda existência, propondo-lhe uma estética própria. Um modo mais elegante de ser.
Acresce que por estarmos um blog público, a reflexão sobre tal tema tem importância triplicada. Há de se concordar, enche o saco essa coisa de eu penso, eu postulo, eu acho, eu discordo, eu queria, eu imagino, eu sou, eu fiz, eu vou, eu, eu, eu encontrei, eu me fudi, eu conheci, eu gosto.
É uma questão de etiqueta, de finesse não lamber diante dos outros o próprio cu. A menos que "os outros" tenham uma queda por, uma inclinação por, deixa para lá. Digo apenas que eu, que chuto de escanteio esse tipo de tara, trago na ponta da língua: “Enfie no fiofó suas opiniões, aspirações e sentimentos.”
Tudo o que escrevi até agora não serve de exemplo. Inclusive, já comecei mal este blog, ao denominá-lo Pulmão Cabeludo, movido pelo meu grande sonho, bastante conhecido, de ter cabelo no pulmão. Ora, por mais fenomenal que tal gosto pareça, a resposta deverá ser sempre: "E daí?", "E eu com isso?", "A quem interessa?"
Se fosse mais decente só me sentiria à vontade na terceira pessoa. Forçado a usar esse maldito pronome,"eu", perceberia-se o rubor nas suas faces.
Que seja escrito na pedra: a personalidade é algo imprestável. Guarde-a para sua esposa, ela a achará uma gracinha, ou se você for meio songo, distribua aos seus amigos e admiradores. Veja bem, não exijo um estóico de raça, mas estufar o peito de pombo premiado pelo fato de ser “único” é risível, sobretudo quando o que te diferencia é aquela pinta ao canto da bunda.
- Ui-Ui! A minha singularidade! Ui! A minha individualidade! Tenho gostos curiosos, vejam só! Espiem minha loucura, olha como ela é interessante! Vejam como sou interessante! Coleciono poesias tailandesas!
Óbvio que todo esse culto à diferença esconde uma avidez existencial, deseja-se avidamente ser algo, de preferência algo raro, o último exemplar de uma espécie única. Deseja-se que um sorriso de dentes brancos lhe diga que você “É uma peça rara” , “Uma figura”.
Inúmeros seriam os argumentos contra esse padrão comportamental. Rogo, portanto, para impessoalidade vigore outra vez no mundo. Viva a matemática. Viva a poesia pura. Viva a música sem palavras. Abençoado seja Cruz e Souza.
Não economize, use e abuse da segunda, da terceira, e até da quarta pessoa, que é o silêncio.
Queria escrever um texto sério. Texto grave, amargo como os vinhos do Reno. Mas não logro. Malogro. Sinto sempre certo tom de mofa em meus próprios textos, sou acometido de um desejo quase incontrolável de não me levar a sério. É isso que fode com tudo. Talvez não pudesse ser diferente mesmo. Pulmão Cabeludo nasceu assim, contrário aos princípios aqui expostos.
De berço meio mofado, meio molhado, ejaculando leite condensado.
- Ai! Que mal gosto! – Pensa a madame - Como pode alguém com a imaginação tão doentia "ejaculando leite moça!"? É o fim, coisa de pervertido.
Madame, perdoe-me. Aprecio sua higiene, mas releia o texto acima, não mencionei leite moça nenhum. Não ouse dizer um passa pelo outro. O máximo que posso aceitar de sua exclamação é que ejacular leite moça é o fim da picada. E, ainda que eu dissesse que percebo sim a vulgaridade, devo mais uma vez reforçar a hipótese da dissociação autor X narrador.
Não posso fazer nada com Pulmão, ele já fugiu do controle. Adquiriu personalidade própria, tão própria que já me encheu o saco. Pulmão cabeludo, por exemplo, gosta de usar o eu, como seu eu fosse ele, ou concordasse com ele. Entretanto, e isso não é picaretagem, não posso responder por ele. Tudo bem, madame? Tudo bem? Tudo? Vai, madame, responde sua cadela! Tudo bem ou não?
- Caralho!! Grita Pulmão cabeludo sobre a copa, abaixo do telhado e conseqüentemente do céu. Suas ventas se abrem, Pulmão Cabeludo está tenso, pensa em subir no coqueiro, como forma de aliviar a angústia.
- O quê? Extravasar a angústia? Toma vergonha nessa cara deslavada, seu puto.
(suspiro)
Talvez devesse escrever para alguém. Se não me engano Rui Barbosa. Se fosse escrever só para mim, saltaria, como um Bambi, de frase em frase, sem que o nexo seja facilmente perceptível, ao menos para você. VOCÊ que tem sangue nas veias e barro na origem.
- Uau!
Criticam Brás Cubas. Abandona uma atividade por fastio. Quando cansa, pára. Volátil. Extremante volátil.
Até onde sei, Pulmao Cabeludo nunca mais voltou da Bolívia, ou da Africa do Sul. Uns dizem que tomou o San Pedrito, potente alucinógico, e não voltou mais, talvez tomou por engano algum outro cactus, venenoso, usado como champu pelos poblitos da região. Segundo alguns andarilhos que passaram por aqui, transformou-se em um condor, preferindo o ar das alturas, que não é o nosso. Os mais céticos acreditam que ele não está nem no nosso continente. Prefiro não dar palpite, mas que não está na China é certo.
Isso, creio, é o máximo que posso fazer por essa figura controvertida, de quem tenho saudade mansa, como o olhar de uma criança a acompanhar um barquinho de papel descendo a enxurrada que só vai desaguar lá no infinito.
Estou em La Paz. A cidade é realmente alta. Mesmo tomando remédio para altura, saí do Bus meio grogue, por instantes pesei que fosse desmaiar. Chegar a La Paz é muito interessante. A cidade fica praticamente em um enorme buraco, as casas parecem caixas de sapatos em pé, todas marrons, subindo pelas montanhas. Quase todas as pessoas na rua tem cara de Bolivianos. É impossível esquecer que voce está na Bolívia, a música típica, o frio de La Paz, a roupa colorida das cholas.
Estou convencido que o espanhol é uma lígua para criancas. Nunca vi criancas falarem tao bonitinho quanto aqui. Todas as criancas do mundo deveriam falar apenas espanhol, e depois a lingua de seu pais. Chiquititos! Oba! Oba!
Uma coisa muy buena de La Paz é que é frio aqui. Corumbá e Porto Soares foram as cidades mais quentes que conhece ao longo das voltas que dei pelo Sol. Sem dúvida o frio é muito melhor.
Ainda pretendo falar do trem da morte, mas nao sei se tenho folego nem palavras. O trem passa no meio da selva e para em cada tribo de bolivianos. Para entrar duas pessoas, para entrar quatro pessoas. As pessoas dormem no meio do chao, entre um banco e outro, em pé. Milhares de caixas vao junto com os passageiros. Uma mulher levou tantas caixas que dormia em cima dela, a mais de um metro de altura. Os policiais pediram para ver o que tinha dentro. Ela entao comecou a gritar com o policiais, desesperada e nervosa, daí os policiais desistiram de olhar e continuaram andando. É mais ou menos assim a Bolivia.
Conversei com alguns bolivianos e contei coisas sobre o Brasil. Eles ficaram impressionados com o desenvolvimento do Brasil, uma grande potencia, um país sério. A minha imagem do Brasil esta mudando. Estou investigando, mas cada vez mais sinto que os bolivianos nao acreditam no dinheiro. É meio complicado, depois tento explicar. Talvez os campesinos, que sao os plantadores de coca acreditem. AInda estou investigando.
Estou na Bolívia. Agora em Santa Cruz, se tudo der certo, amanha La Paz. Penso em escrever as impressóes da viagem. O Boliviano é o povo mais paciente do mundo. O trem da morte atrasou oito horas e demorou vinte e duas horas para fazer setecentos quilometros. Pero, os bolivianos do trem pareciam tranquilos, dormindo por cima de caixas e sacolas. Conversei com um e ele me disse que achava os ¨brasileños muy griton¨. Agora tenho que desligar que o tempo está se esgotando.